20 de setembro de 2018

Aumento da isenção do IR vai custar bilhões

O programa de governo do candidato do PT à Presidência da República, Fernando Haddad, prevê a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até cinco salários mínimos por mês, o que, em 2019, corresponderá a algo em torno de R$ 5 mil. O candidato ainda não apresentou a estimativa para o custo fiscal da medida, mas um estudo feito pela área econômica do governo no ano passado mostrou que apenas dobrar o atual limite de isenção do IR (que é de R$ 1.903,98) levaria a uma perda de arrecadação entre R$ 28 bilhões e R$ 73 bilhões, dependendo das regras a serem adotadas para as diversas faixas do IR e para as deduções.

A razão de tamanha perda de renda é explicada pelo fato de que a taxação do IR é progressiva. O aumento da faixa de isenção irá beneficiar todos os contribuintes, até os mais ricos, pois a primeira alíquota de 7,5% incide sobre a renda que ultrapassa o limite não tributado.

O estudo da área econômica, ao qual o Valor teve acesso, conclui que o benefício dado ao grupo de renda mais baixa seria ilusório, pois ele já não paga ou paga quase nada de IRPF. O ganho maior será capturado pelas famílias que recebem dez salários mínimos ou mais.

Os técnicos da área econômica analisaram uma proposta de passar o limite de isenção de R$ 1.903,98 para R$ 3.807,96 – ou seja, dobrar o valor (cerca de quatro salários mínimos do ano passado). No primeiro cenário, além do aumento da isenção, os técnicos consideraram a duplicação das deduções com dependente, do limite anual da despesa com instrução e do limite anual referente ao desconto simplificado.

Esse cenário é o mais alinhado com as alterações realizadas pela Receita Federal nos últimos anos, no qual se alteraram as faixas e as deduções pelo mesmo percentual. Sob essas hipóteses, a renúncia fiscal atingiria o montante de R$ 73 bilhões por ano. Haveria um salto do número de isentos de 8,8 milhões de contribuintes para 20,4 milhões. As simulações do estudo foram realizadas com base nos dados das declarações do IRPF de 2016, ano base 2015.

No segundo cenário, os técnicos consideraram que as faixas de rendimento atuais acompanhariam a duplicação da faixa de isenção, sendo também duplicadas. Mas, neste caso, os limites das deduções permaneceriam nos níveis atuais. Neste caso, a renúncia cairia para R$ 65 bilhões e o número de contribuintes isentos passaria de 8,8 milhões para 19,9 milhões.

No terceiro e último cenário, os técnicos consideraram que as três primeiras faixas da tabela atual seriam consolidadas e não haveria correção dos limites de deduções. Com isso, rendimentos mensais de até R$ 3.751,05 (que atualmente é o limite de renda para a incidência da alíquota de 15%) teriam alíquota zero. Ou seja, os contribuintes que atualmente estão sujeitos às alíquotas de 7,5% e de 15% passariam à alíquota zero.

A alíquota atual de 22,5% incidiria na faixa de renda de R$ 3.751,06 a R$ 4.664,68, com parcela a deduzir de R$ 843,99; e outra de 27,5%, que incidiria sobre a renda superior a R$ 4.664,68, com parcela a deduzir de R$ 1.077,22. As hipóteses foram consideradas pelos técnicos para reduzir a perda fiscal. Mas este cenário gera uma mudança brusca na aplicação da alíquota do IR. O indivíduo que receba R$ 3.751,05 por mês estaria isento, enquanto outro que receber R$ 4 mil estaria submetido a uma alíquota de 22,5%. Os técnicos dizem que variação brusca de alíquota, de 0% para 22,5%, pode gerar incentivos ruins, principalmente para aqueles que estão acima da faixa de isenção, como evasão fiscal e acordos de trabalho informais.

Em 2015, o Brasil possuía apenas 27,7 milhões de declarantes do IRPF para uma população de aproximadamente 204 milhões de pessoas. Do universo de declarantes, 8,8 milhões eram isentos, ou seja, 32% estavam na faixa da alíquota zero. Assim, somente 18,8 milhões pagavam IRPF, o que corresponde a 20% da população ocupada, de 92 milhões de pessoas.

Os técnicos informaram que 92% de toda a receita do IRPF é paga pelos 10% mais ricos da população. Mais da metade dos declarantes (60%) está nas faixas de renda de até cinco salários mínimos, porém, segundo o estudo, estes representam menos de 2% do total do Imposto de Renda arrecadado.

A conclusão do estudo é que o ganho com o aumento da isenção, dado à população de renda de até quatro salários mínimos, seria ilusório, pois esse grupo ou não paga ou paga muito pouco IRPF. O ganho maior seria capturado pelas famílias que recebem dez salários mínimos ou mais, visto que suas alíquotas efetivas são maiores e crescentes. Os técnicos explicam que o reajuste da tabela com “efeito cascata” e o eventual reajuste dos limites de isenção vão beneficiar justamente as famílias mais ricas.

O custo fiscal da elevação do limite de isenção do IRPF teria que ser compensado para não provocar um desequilíbrio ainda maior nas finanças públicas, que registram déficit primário desde 2014. Ainda não está claro na proposta do candidato do PT como a perda de receita será compensada. Mas, é óbvio, que alguém vai pagar a conta. Provavelmente, as alíquotas do IR para as rendas acima do limite de isenção serão elevadas.

Reforma tributária

Dez entre dez candidatos à Presidência da Republica garantem que farão uma reforma do sistema tributário brasileiro. Eles precisam ficar atentos, no entanto, ao alerta feito pelo economista José Roberto Afonso e pela advogada Lais Khaled Porto, em recente artigo para a revista “Conjuntura Econômica”. Eles consideram terrivelmente desafiador redesenhar um sistema frente a mudanças estruturais na economia que ainda estão em curso, de forma rápida e drástica, e muitas ainda nem começaram.

“Ninguém tem a menor certeza hoje de quais serão os impostos mais apropriados para se exigir no futuro, porém, crescem os indícios de que muitos dos atuais tributos se tornarão obsoletos ou impensáveis”, advertem.

Afonso e Lais Porto afirmam que se deve buscar a tributação das novas transações, notadamente daquilo que tem crescente valor econômico atualmente, embora de difícil mensuração: o capital intelectual ou intangível – dos frutos do conhecimento aplicado (como a propriedade intelectual) aos softwares e bens virtuais. “E não se vislumbram maneiras eficientes de se fazer isso dentro do atual sistema”, afirmam.

Fonte: Valor Econômico

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