30 de agosto de 2006

CPMF de 0,01% em 2010

CPMF de 0,01% em 2010

A atual Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras (CPMF) é “filha” do Imposto Provisório sobre Movimentações Financeiras (IPMF). O IPMF surgiu em 1993 e foi importante, no contexto em que foi lançado o Plano Real em 1994, quando arrecadou 1,0 % do PIB. Por analogia, foi parte da explica ção do desastre de 1995, quando o resultado primário desabou, entre outras coisas porque essa fonte de arrecadação desapareceu da noite para o dia. O tributo,


já com novo nome, reapareceu em 1997, com o empenho do então Ministro da Saúde, o Dr. Jatene, para viabilizar uma fonte segura de receita para o setor, arrecadando naquele ano 0,8 % do PIB. Depois de passar algum tempo com uma alíquota de 0,20 %, a partir de 1999 a contribuição foi renovada com a alíquota atual de 0,38 %, arrecadando na década atual valores da ordem de 1,5 % do PIB por ano. Com a aprovação da chamada “PEC da saúde”, que indexa os recursos desta rubrica ao próprio PIB, a necessidade da CPMF para a cobertura dos gastos do setor, de certa forma, desapareceu, uma vez que eles passaram a ter um ‘seguro constitucional’, independentemente de qual for a receita. A CPMF, porém, lá ficou, enquistada em nossa Carta Magna, agora com data de vigência prevista até o fim de 2007.


Um conhecido economista costumava dizer há alguns anos, brincando, para explicar como no Brasil algumas coisas acabam se perpetuando nas práticas administrativas do setor público, que “ainda estamos pagando pela amante do Ministro”. O Ministro em questão foi todo-poderoso há muitas décadas – quando o Rio de janeiro ainda era a capital do país – e as más línguas diziam que teria feito sua amante ser contratada para os quadros da sua pasta. O tempo passou, o Ministro morreu, mas a amante lá ficou e, como era jovem, dizia o economista que “ainda estamos pagando a sua aposentadoria”.


Algo assim ocorre com algumas cláusulas da nossa legislação, que se explicam pelo contexto específico que lhe deram origem, mas que não guardam relação com a situação existente anos depois – apesar do que, a legislação ainda persiste. O caso da CPMF encaixase como uma luva nesse tipo de situações. Lembra o leitor como era o quadro em 1993? O Brasil estava às portas da hiperinflação, havia um plano de estabilização em gestação e seu pressuposto era que as contas fiscais teriam que estar previamente ordenadas. É nesse contexto e como parte de um


ajuste fiscal de emergência, que se entende o surgimento do (na época) IPME Agora, responda o leitor: qual é a relação entre aquele contexto e o atual? A resposta é: nenhuma. Diante disso, a pergunta é: qual é a justificativa para manter um tributo que nasceu em um contexto emergencial e que tem a expressão “provisório” no seu próprio nome? Vale a mesma resposta: nenhuma!


Ao mesmo tempo, recomenda o bom senso não repetir a enorme bobagem cometida em 1995, quando a receita do imposto desapareceu subitamente, sem que o país se preparasse previamente para tal. Isso significa duas coisas: 1) a perda de receita deve ser planejada; e 2) ela deve ser gradual.


Adicionalmente, há dois outros elementos para levar em conta na análise. O primeiro é que a CPMF tem um lado muito negativo, que é o fato de ser um imposto do tipo “em cascata”, que prejudica a competitividade do produto nacional. Isso faz que quando um automóvel chega, por exemplo, ao porto para ser exportado, tenha um conteúdo de CPMF embutido no pagamento dos trabalhadores que fabricaram o carro; na aquisição das autopeças que são parte do veículo; no vidro e no equipamento eletrônico que também formam parte dele etc., mas em um montante que é impossível de calcular. O resultado é que o país “exporta imposto”, o que do ponto de vista dos interesses do país é um “tiro no pé”.


O elemento restante a considerar é que, por outro lado, a CPMF tem um lado bom, que é a possibilidade de permitir à Receita Federal fiscalizar a movimentação financeira e aferir se as declarações de renda são consistentes com isso. Se um indivíduo declara ser isento por não dispor de renda significativa, mas movimenta R$ milhões, a Receita provavelmente irá se interessar em ouvi-lo para entender como se explica esse aparente paradoxo. É claro, porém,’ que para isso basta que a alíquota seja diferente de zero – não precisa ser de 0,38 %.


Não existe justificativa para manter um tributo que nasceu em um contexto emergenciai e que carrega a expressão “provisório” no próprio nome.


Podemos resumir então o que foi dito em três afirmações que se complementam entre si: 1) não faz nenhum sentido perpetuar- a não ser com uma alíquota simbólica – depois de 2008 um tributo que surgiu com um objetivo emergencial 15 anos antes, em 1993; 2) por razões de bom senso fiscal, é preciso evitar que a CPMF desapareça em 24 horas, o que recomenda diluir a perda de receita ao longo de um certo período; e 3) é importante preservar a CPMF com uma alíquota mínima, com fins de fiscalização.


A forma de conciliar esses objetivos é simples: consiste em reduzir a CPMF gradualmente, ao longo de 3 anos, perpetuando a partir de 2010 uma alíquota simbólica, de 0,01 %-atenção: é 0,01 % e não 0,1 %-em bases permanentes, após a alíquota cair para 0,25 % em 2008; 0,13 % em 2009 e 0,01 % em 2010.


A viabilidade dessa estratégia pode ser atestada por uma conta simples. A despesa do Governo Central em 2007 pode ser estimada em 23,2 % do PIB. Com 2,5 % do PIB de superávit primário do Governo Central, teríamos 25,7 % do PIB de receita. Mantido o superávit, se a receita cair em 1,5 % do PIB até 2010, a despesa primária teria que diminuir para 21,7 % do PIB. Com a economia crescendo a uma média de 4,0 % a.a. no triênio 20082010, o parãmetro é consistente com um aumento anual do valor real do gasto de 1,7 %. Ou seja, não haveria necessidade de “arrocho”. A carga tributária cairia e, ao mesmo tempo, seria praticamente eliminado um fator que prejudica a competitividade dos nossos produtos. “CPMF de 0,01 % em 2010” é um bom compromisso para ser assumido para a gestão de governo 2007/2010. O país inteiro irá agradecer.


*Fabio Giambiagi, economista, co-organizador do livro “Economia Brasileira Contemporânea: 1945/2004” (Editora Campos), escreve mensalmente às segundas-feiras. E-mail: fgiambia@terra.com.br.
Fonte: Valor Econômico (29/08)

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