14 de novembro de 2016
“Nós devemos ser capazes de resolver o problema fiscal do Brasil sem aumento de impostos. Ponto”
Com um olho na votação da PEC 241 no Senado e o outro na elaboração da reforma da previdência, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, promete muito diálogo para convencer a sociedade da necessidade dos ajustes. Meirelles falou à DINHEIRO na segunda-feira 7, em seu gabinete, em Brasília.
Qual é o cronograma ideal: aprovar a PEC dos gastos no Senado e depois apresentar a reforma da previdência ou as duas coisas simultaneamente?
Essa foi uma discussão importante há alguns meses, mas agora já estamos na fase final da PEC. O cronograma prevê a votação em primeiro turno no Senado no dia 29 de novembro e o segundo turno no dia 13 ou 14 de dezembro. Em dito isso, a apresentação da Reforma da Previdência pode ser feita um pouco antes ou um pouco depois, pois a essa altura tem menos relevância. Pode ser feito, por exemplo, no início de dezembro, um pouco antes da votação em segundo turno ou logo depois do segundo turno. Não serão uma ou duas semanas que farão diferença. O importante é que o projeto já está em andamento. Nós estamos fazendo uma agenda intensa de trabalho para a Reforma da Previdência, a essa altura com a participação do presidente Temer, do ministro Padilha, do secretário da previdência, Marcelo Caetano, e também de alguns técnicos da Casa Civil. Está indo muito bem. Acreditamos que até o final deste mês ou início de dezembro já teremos a proposta pronta para ser apresentada. Ela está em elaboração, mas muito avançada.
Qual é a maior dificuldade da Reforma da Previdência Social?
Não acredito que tenha dificuldade específica, não. O que acontece é que é uma emenda constitucional importantíssima e complexa. Lida com uma vasta gama de assuntos e com várias implicações de ordem constitucional. É a idade mínima, sim, mas a questão da transição. Depois tem a questão das pensões, dupla pensão, pensão por morte etc. É um projeto complexo que afeta diretamente as pessoas e, portanto, tem de ser tratado com muito cuidado e de uma forma que vai muito além de simplesmente achar uma fórmula tecnicamente correta. Isso demanda um expressivo número de conversas, negociações, inclusive com centrais sindicais. Mesmo quando não se chega a um acordo, é importante que haja a negociação com setores da sociedade. Hoje estamos amadurecidos já fazendo a proposta. Mesmo em países muito conservadores e com a tradição histórica de seriedade fiscal, como é o caso da Alemanha, o projeto de Reforma da Previdência demorou um longo tempo, complexo, foi muito debatido como deve ser. Normal. Eu recebo às vezes e-mails interessantes de algumas pessoas. Não muitos. Até esperava muito mais. Um dizia o seguinte: “eu já fiz plano durante muito tempo de me aposentar aos 54 anos e agora, com essa reforma, eu vou ter de trabalhar mais alguns anos e eu não gosto desta ideia, pois afinal de contas eu não gosto de trabalhar. Eu prefiro me aposentar e gozar a vida”.
O que o sr. responde?
É muito simples. É mais importante para você ter a oportunidade de se aposentar um pouco mais cedo e, talvez, receber ou ter a certeza de que vai receber a aposentadoria mais tarde?
E tem réplica ou tréplica?
Não.
Será a batalha de comunicação mais difícil de todas?
Eu acho que sim. É assim em qualquer país. Se você olha a experiência de países que já fizeram, de países europeus, é um desafio importante do ponto de vista da comunicação, pois atinge todas as pessoas. Levar esse outro lado da questão de que alguém paga tudo isso e que esse alguém, em última análise, é você mesmo. Aliás, nesse aspecto é didático o que está acontecendo no Rio de Janeiro, onde para manter a previdência pública dos funcionários do Rio de Janeiro, o governo teve de aumentar a contribuição para que haja fundos para pagar. Essa ideia de que aquilo alguém recebe alguém paga é a ideia que começa com a PEC dos gastos. Por isso, eu acho que a aprovação da PEC dos gastos antes é fundamental. Quando todos entendem que as despesas públicas não podem subir sem controle, daí as contas ficam simples. Se não fizer a Reforma da Previdência, a Previdência vai ocupar, no devido tempo, todo o espaço adicional do teto dos gastos e vai passar a comprimir as outras despesas. É muito fácil primeiro para os parlamentares entenderem isso e depois para a população em geral.
Qual análise que o sr. faz do pacote do Rio de Janeiro?
Acho que é um pacote necessário, não há dúvida. Não nos compete discutir os detalhes do pacote, se a questão aqui é o imposto que subiu ou o problema dos funcionários. Mas é um pacote responsável e eu acho que o Rio de Janeiro é, evidentemente, um dos Estados que estão em situação pior, mais dramática. Por outro lado, mostra uma disposição importante, uma coragem do governo de enfrentar o problema. É um bom exemplo, inclusive, para os demais Estados.
Vocês vão usar esse exemplo na batalha de comunicação?
Sim, não há dúvida. O governo não vai entrar necessariamente na batalha da comunicação do Rio de Janeiro, que já está fazendo um grande trabalho nesse aspecto, mas certamente é um exemplo de que não há recurso público que, em última análise, não seja pago pelos contribuintes. Quem prove os recursos públicos para financiar qualquer despesa pública são os contribuintes, seja através de imposto, seja através de dívida, financiando o governo através da compra de títulos do Tesouro Nacional.
Os governadores estão ligando muito para o sr. pedindo ajuda?
Não.
Não ligam por que o sr. não vai ajudar ou por que eles não estão precisando?
São duas coisas diferentes. Os Estados estão numa situação financeira muito difícil. Só que já tem um viés quando se diz que eles precisam de ajuda da União. Não. Eles precisam fazer planos de ajuste muito sérios. Fui procurado várias vezes no início do processo e logo depois da renegociação da dívida dos Estados com a União e a minha resposta é muito simples. Todos os brasileiros, sejam consumidores, trabalhadores, empresários, governos dos Estados, dos municípios e federal, estão tendo problemas financeiros graves, produtos da crise econômica que leva à queda da arrecadação, do faturamento etc.. A solução para todos está no aumento da atividade econômica, que vai levar ao aumento da arrecadação. E, para isso, nós temos de controlar o déficit público federal, que é a raiz de todos esses problemas. Se para tentar evitar ou mitigar os efeitos da doença, nós aplicamos um tratamento que pode mitigar alguns efeitos, mas piora a doença, nós estamos, em última análise, piorando a situação do paciente.
No problema fiscal dos Estados, a culpa é da crise ou foi má gestão?
Acho que são as duas coisas. A crise é o que agudiza o processo. Não há ente público em qualquer país do mundo que passe imune a uma recessão com contração de produto (PIB) ao redor de 7% em dois anos. Não há como, levando em conta, inclusive, que a arrecadação cai mais que o PIB. É só ver a série histórica. Quando o PIB sobe, a arrecadação também sobe mais. Então, nesse sentido, é necessário um aumento da arrecadação, que é consequência do aumento da atividade econômica.
E não do aumento de impostos?
Não do aumento de impostos porque, no momento em que a atividade econômica está caindo, a história mostra que aumentar a tributação com a economia em queda, como estamos, isso piora a atividade econômica e, em consequência, cai a arrecadação. Nós precisamos ter cortes de despesas. Poderia-se, em tese, falar em aumento de imposto depois de um período razoável de crescimento, se for o caso, porque a tributação no Brasil, de qualquer maneira, é muito alta.
Quanto é um período razoável?
Nós devemos ser capazes de resolver o problema fiscal do Brasil sem aumento de impostos. Ponto. É pior numa hora de contração. É contraindicado em recessão. Por outro lado, a tributação brasileira é alta em comparação com todos os países com igual nível de renda e, portanto, já começa atingir limites de eficiência. A ideia no geral é que seja possível, a médio e longo prazo, termos uma queda nas despesas públicas brasileiras como percentagem do produto (PIB) e, numa etapa seguinte, uma queda da dívida pública como percentagem do produto sem aumento de impostos. Em dito isso, não há nenhuma postura ideológica contra aumento de impostos. Se por qualquer razão for necessário, o governo está disposto a fazer. Agora, a nossa visão é de que não é necessário e seria negativo neste momento.
Os empresários pleiteiam um novo Refis. Há alguma chance?
No momento, não. Não estamos estudando isso, inclusive porque o Refis tem algumas vantagens, permite uma renegociação das dívidas, alivia a situação das empresas e muitas podem começar a pagar, mas por outro lado o Refis tem funcionado no Brasil como um grande incentivo para as empresas não pagarem impostos, esperando o próximo Refis. Então, no momento em que você começar a reestrutura as dívidas tributárias em condições favoráveis, alguém que está pagando em dia vai questionar por que eu sou o punido, pagando à vista, sem desconto, sem taxas favoráveis para beneficiar outros. Então não vou pagar também e aguardar o próximo Refis. Então é importante que essa mensagem seja claramente dada. Com a atividade econômica se recuperando, com o tempo as companhias aumentam as vendas e a receita, e voltam a pagar os impostos.
Mesmo o fato de ser a maior recessão da história não justificaria um Refis?
O problema é que para sairmos desta recessão nós precisamos cortar as despesas primárias e arrecadar mais tributo. Para isso, é importante que a meta de primário seja atingida neste e nos próximos anos. E, portanto, é fundamental que não haja neste momento nenhum incentivo a esse tipo de concessão, inclusive porque a experiência recente do Brasil mostra que esse expediente de Refis, isenções e desonerações, exaustivamente usado nos últimos anos, não aumentou a atividade econômica. Acho que já chegamos no limite para isso.
Os exportadores querem saber se o governo vai deixar o dólar baixar de R$ 3…
A experiência mostra que diversos países têm fracassado em tentativas de controlar a taxa de câmbio, inclusive o Brasil. O Brasil tentou isso na segunda metade da década de 90 e acabou tendo que abandonar o sistema em 99, inclusive quando o mercado passou por cima do Banco Central. O Banco Central fixou uma banda e o mercado apostou contra e ganhou, repetindo o que já tinha acontecido no Reino Unido, onde existia um câmbio fixo e o mercado apostou contra e ganhou. Esse episódio, inclusive, fez a fama e a fortuna do George Soros. Há exemplos na Argentina. É inevitável que, principalmente em países que tenham câmbio livre, metas de inflação, preços livres e mercados funcionando normalmente, você não consiga controlar um preço chave da economia, o câmbio, que é produto de um fluxo enorme de transações. Países que têm regime fechado conseguem controlar várias coisas, até o câmbio. Só que esses países fechados tendem a ter uma administração extremamente ineficiente da economia e, portanto, terminam por, gradualmente, ter de abandonar não apenas o câmbio, mas todo um controle. Quanto mais sofisticada vai se tornando uma economia, mais necessária é a abertura dos mercados para uma melhor fixação de preços, aumento da eficiência etc. É normal que o governo vá cada vez intervindo menos. Nós temos visto isso em diversos países do mundo, inclusive hoje em dia. Mas o fato concreto é que não é viável esse controle do câmbio por um período prolongado. Pode ser temporariamente. Além disso, a história mostra que têm grandes saltos comerciais são países muito eficientes e alguns deles com o câmbio livre e até valorizados, como é o caso da Alemanha. A Alemanha, com o euro, consegue saldos comerciais enormes e não está pensando em fazer uma desvalorização competitiva do euro para crescer o PIB. Portanto, a solução para o Brasil não é tentar resolver o problema da baixa produtividade via intervenção no mercado de câmbio, mas, sim, endereçar a questão da baixa produtividade.
E aí entra a infraestrutura, que no caso da Alemanha é ótima?
Você tem toda a razão. É o grande problema. O custo do transporte no Brasil é muito elevado. Se comparar com outros países, o Brasil está bem atrás, junto com países notoriamente deficientes nesta área. E mesmo pior do que alguns vizinhos. O custo de energia, também. São dois insumos fundamentais, energia e transporte. Tudo isso faz com que o investimento em infraestrutura seja fundamental. O programa já está em andamento e é prioridade. Mas existem outras questões como uma que o Banco Mundial chama de Ease of Doing Business e que eu estou chamando de produtividade da economia. O Brasil está na posição número 123. É difícil produzir no Brasil. E caro. Tem questões trabalhistas e de toda ordem. Há um número enorme de pequenos itens como licença de Corpo de Bombeiros municipal e registro do estatuto em juntas comerciais. Nós já fizemos um acordo com o Banco Mundial, em Washington, para fazer um grupo de trabalho formado por especialistas do Banco Mundial nessas medidas e soluções, e o Ministério da Fazenda. Já começamos esse trabalho. Vamos, nas próximas semanas, definir os itens para atacar um a um. É uma desburocratização ampla.
Todo governante fala em desburocratização. Por que vai ser diferente agora?
É a mesma pergunta que faziam com a PEC. Havia desconfiança. Eu digo que o País já está preparado para isso. A crise gerou demanda por mudanças. Em segundo lugar, a capacidade de negociação deste governo e o apoio que ele tem no Congresso é sem paralelo na história recente do Brasil. É um governo que tem no seu comando ex-parlamentares com grande trânsito no Congresso.
O Brasil rever o tamanho das reservas cambiais, que têm um custo fiscal?
Isso é algo relativo ao Banco Central. Eu, como ex-presidente do Banco Central, respeito muito as prerrogativas do Banco Central. É, evidentemente, uma decisão muito complexa na medida em que, de um lado, as reservas têm custo e, de outro lado, você tem uma garantia de estabilidade nos mercados cambiais. Isso é difícil de medir. É aquela história. Você sabe quando você tem estabilidade cambial. Você sabe quando você não tem. No meio, é difícil. A partir de qual valor de reserva você perde? É difícil de medir. Existem estudos teóricos, mas não são testados na prática. A grande verdade é que, de fato, é caro, mas, por outro lado, eu me lembro do ex-ministro Mario Henrique Simonsen que dizia que inflação aleija e câmbio mata. Então significa que não se brinca com câmbio. Basta lembrar das crises cambiais.
Como o sr. está acompanhando a mudança nos Estados Unidos?
Evidentemente qualquer mudança de orientação por parte dos Estados Unidos afeta o mundo todo. Acompanhamos com atenção, esperando que não haja ações posteriores que possam criar problemas para o restante do mundo de qualquer ordem, seja militar, seja econômica. Evidentemente um programa de descontinuação das negociações de abertura comercial é negativo para todo mundo, inclusive, para os próprios Estados Unidos. Eu acho que a abertura comercial beneficia a todos. Em dito isso, o importante é que nós estejamos preparados para qualquer situação que possa evoluir nos Estados Unidos, na Europa ou no Oriente Médio.
Há alguma crise à vista no mundo?
Alguns fundos de investimentos começam a falar que a próxima crise poderia ser maior que a de 2008, criada pelo excesso de liquidez no mercado. Eles já estão preocupados com isso. E o que o Brasil vai fazer? Só podemos fazer uma coisa. Estar com a economia bem preparada para isso. Por que o Brasil se saiu bem na crise de 2008? Porque a economia estava bem, crescendo, e o fiscal estava em ordem. A inflação estava ancorada, tínhamos reservas, depósito compulsório e um sistema financeiro sólido. Por isso precisamos do ajuste fiscal.
Quando o Brasil pode retomar o grau de investimento?
Acho que vai depender muito da velocidade do ajuste fiscal. Uma aprovação da PEC neste ano, como projetamos, e a Reforma da Previdência no ano que vem e outras complementares que serão importantes, além das medidas de aumento de produtividade etc., tudo isso eu acho que pode levar, sim, à volta do grau de investimento. Eu tenho uma atitude para isso, desde quando eu trabalhava no setor privado, numa instituição que também tinha rating. Minha preocupação não é a agência de rating. Eu faço o meu trabalho e deixo que as agências façam o trabalho delas. E o tempo das agências é o tempo das agências e o meu tempo é o meu tempo. E isso tem dado muito certo. Tanto que eu fui uma das primeiras pessoas no governo que recebeu a notícia de que o País havia se tornado investment grade, em 2008. Me ligaram num gesto de deferência porque eu tenho excelentes relações. A minha ideia é a seguinte: quanto mais cedo, melhor. Eu entendo o trabalho deles, que tem que ser bem feito. No fundo, eles têm de avaliar o que nós estamos fazendo aqui. Já foi resolvido o problema, isto é, as medidas fundamentais de ajuste já foram tomadas? A trajetória das despesas públicas já entrou numa decrescente em relação ao PIB? Os projetos de produtividade estão em andamento? A economia já está crescendo? Então, eu tenho certeza de que, na hora em que o País estiver funcionado bem, as agências vão simplesmente bater o carimbo.
Revista ISTO É DINHEIRO
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