8 de julho de 2005

Nova lei de falências estréia sob dúvidas

GUSTAVO PATU
da Folha de S. Paulo

Empresas e credores represam pedidos de concordatas e falências à espera da nova lei destinada a essas operações, que estréia nesta quinta-feira envolta em dúvidas quanto à sua aplicação. O principal nó está justamente na maior inovação da lei -a recuperação judicial, substituta da concordata.

A desarticulação política do governo e a crise gerada por denúncias de corrupção mantêm parado, na Câmara dos Deputados, um projeto sem o qual a recuperação judicial pode se tornar inócua na prática. O texto, ainda por cima, é tido como equivocado por especialistas.

De autoria do líer do governo no Congresso, senador Fernando Bezerra (PTB-RN), o projeto permite que empresas em recuperação parcelem o pagamento de suas dívidas tributárias e previdenciárias. Sem isso, avalia-se, a grande maioria das empresas não conseguirá apresentar as certidões negativas de débito exigidas pela Lei de Falências.

“Posso garantir que isso inviabiliza de 80% a 90% das recuperações judiciais”, diz o advogado Ricardo Tosto. “Quando uma empresa está em dificuldades, a primeira coisa que ela pára de pagar é imposto”, argumenta.

Para um dos advogados mais atuantes na área, Thomas Felsberg, na situação atual “as empresas vão acabar pedindo recuperação judicial somente para aproveitar o prazo de 180 dias sem execuções de dívidas, entrando em falência depois”.

O objetivo da recuperação judicial, como o nome indica, é evitar que empresas viáveis, mas em dificuldades momentâneas, caminhem para a falência, com perda de investimentos e empregos -como acontece hoje na maioria das concordatas.

Para isso, a nova lei estabelece que a empresa e seus credores aprovem, em seis meses, um plano de recuperação, com possibilidade de venda de bens e alongamento das dívidas. Faltam, porém, as dívidas com o poder público, costumeiramente as mais importantes.

Mobilização

Não por acaso, o ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda) quer iniciar uma mobilização emergencial dos deputados para votar o projeto de Bezerra, já aprovado pelo Senado. Na Câmara, nem sequer está nomeada a comissão que examinará o texto. Mas os problemas podem ser ainda maiores.

Analistas vêem pelo menos dois equívocos no projeto: o prazo máximo de seis anos para o parcelamento de dívidas (sete para pequenas e microempresas), considerado insuficiente, e a pena de falência para empresas que não apresentarem as certidões negativas de débito.

As regras foram impostas pela Receita Federal, para a qual prazos mais elásticos poderiam tornar vantajosa a sonegação.

Estuda-se, no momento, um prazo máximo de dez anos, mas, nesse caso, o projeto teria de ir novamente ao Senado para nova votação.

Outra possibilidade seria editar uma medida provisória, o que permitiria a entrada em vigor imediata das novas regras. Nesse caso, porém, o Planalto correria o risco de aprofundar seu desgaste com o Congresso, que reclama do excesso de MPs.

Represamento

Essa não é a única incerteza em torno da Lei de Falências, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em fevereiro deste ano.
O Banco Central, por exemplo, não sabe se poderá requerer a falência do Banco Santos, hoje sob liqüidação, pela nova legislação -considerada ambígua em relação às instituições financeiras.

As inovações previstas, no entanto, são aprovadas por credores e empresas.

No primeiro quadrimestre do ano, mesmo com a desaceleração da economia, os requerimentos de falências e concordatas caíram cerca de 35% (veja quadro ao lado) em relação ao mesmo período do ano passado, num sinal de que credores e devedores esperam a entrada em vigor da nova legislação.

Pelos dados da Serasa, empresa de análise de crédito, foram 3.117 pedidos de falências e 133 de concordatas. Nos primeiros quatro meses de 2004, os números eram de 4.728 e 206, respectivamente. Os números atuais também são inferiores aos do resto do ano passado, quando a economia teve crescimento de 4,9%.

Alta prevista

O mercado espera uma alta do número de requerimentos a partir deste mês, em dimensões ainda imprevisíveis. “Diante do represamento que tivemos, creio que será um número significativo”, avalia Felsberg.

Laura Bumachar, do escritório Barbosa, Müssnich e Aragão, também aposta no crescimento, mas pondera que ele “não será uma enxurrada” e se concentrará, a princípio, nas falências. Na recuperação judicial, um instrumento totalmente novo, a imprevisibilidade das decisões judiciais tende a frear os pedidos.

“Os empresários mais conservadores vão aguardar que outros ingressem primeiro na recuperação judicial, para a qual ainda não há jurisprudência [consensos a partir de decisões judiciais reiteradas]”, argumenta Bumachar.

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