28 de outubro de 2005

O preço pela inércia do governo em tratar o assunto com a seriedade que merece pode vir alto

É inacreditável, mas o governo Lula corre o risco de não arrecadar o imposto sobre a renda do trabalhador a partir de 1º de janeiro de 2006. Explico: em uma das muitas crises econômicas mundiais com que teve que conviver o governo FHC, foi editada a Lei nº 9.532, de 1997, que em seu artigo 21 introduziu a alíquota de 27,5% para contribuintes que recebessem rendimentos mensais tributáveis superiores a R$ 1.800,00. A mesma lei, em seu parágrafo único, assegurava o retorno da alíquota de 25% para essa mesma faixa de renda aos contribuintes a partir de 1º de janeiro de 2000. Em dezembro de 1999, foi publicada a Lei nº 9.887, elastecendo a alíquota de 27,5% até 31 de dezembro de 2002, mas garantindo novamente ao cidadão/contribuinte que 25% voltaria a ser a alíquota máxima de tributação sobre a renda da pessoa física a partir de 1º de janeiro de 2003. Em 10 de maio de 2002, a tabela progressiva sofreu reajuste de 17,5% por intermédio da Lei nº 10.451. É importante notar que ao lado dessa lei mantinha-se em vigor o artigo 21 e parágrafo único da a Lei nº 9.532/97, com a redação dada pela Lei nº 9.887/99, assegurando que a tributação máxima da pessoa física em 2003 estaria limitada a 25%. 
 
Em 1º de janeiro de 2003, tomou posse o presidente Lula, já tendo que conviver com o patamar de tributação máximo da pessoa física em 25% no lugar de 27,5%. Nos últimos dias do governo FHC, foi criada uma equipe de transição, que, entre outras tarefas, tratou de alterar, mais uma vez, o artigo 21 da Lei nº 9.532/97. Pode-se dizer então, que na prática FHC e Lula acordaram no sentido de que a alíquota de 27,5% teria de sobreviver até 31 de dezembro de 2003. FHC, por ter assinado a Lei nº 10.637/02, e Lula por entender temerário abrir mão da alíquota de 27,5% em seu primeiro ano de governo. Aceitável e ponderada até aquele momento a decisão.


Entretanto, a mesma Lei nº 10.637/02 comprometera-se a restabelecer a alíquota de 25% em 1º de janeiro de 2004, momento em que o governo Lula estaria completando um ano de mandato e teria condições de avaliar em que limite seu governo decidiria tributar a renda do trabalhador. Para nossa surpresa, nada se fez em relação à tributação da pessoa física durante todo o ano de 2003. Então, no apagar das luzes de 2003, Lula sanciona a Lei nº 10.828, que: a) revigora a alíquota de 27,5% até 31 de dezembro de 2005; e b) retira do mundo jurídico a alíquota de 25%. Equivale dizer que a alíquota de 27,5% tem tempo certo de permanência – 31 de dezembro de 2005 -, não se fala mais em alíquota de 25% e, no curso de 2005, teria de haver decisão de como a pessoa física seria tributada em 2006.


   Se não houver uma MP ou lei que discipline a tributação a partir de 2006, o imposto de renda não terá como ser exigido 


O imbróglio jurídico surge com a edição da Lei nº 11.119, em maio de 2005. Comemorada por todos, é por meio dela que o governo Lula reajusta pela primeira vez a tabela progressiva do imposto de renda – e em 10%. Nunca se disse que dita lei daria 10% de reajuste na tabela progressiva em troca de perpetuar a alíquota de 27,5%. Tecnicamente falando, a Lei nº 11.119 não teve o condão de tornar definitiva a alíquota de 27,5% pelo singelo fato de não ter revogado a Lei nº 10.828/03, o que é obrigatório, à vista do que determina a Lei Complementar nº 95, de 1998.


A convivência das duas leis parece evidente: a alíquota de 27,5% permanece em vigor tão somente até 31 de dezembro de 2005, porém com as faixas de renda reajustadas em 10%. Nada mais, nada menos. Por conclusão temos que a Lei nº 11.119/05 é mero instrumento de atualização da tabela progressiva do governo Lula, assim como foi a Lei nº 10.451/02 do governo FHC. À evidência, nenhuma dessas duas leis tornou permanente a alíquota de 27,5%, até porque o escopo de ambas foi o de reajustar a tabela progressiva. A permanência, ou não, da alíquota de 27,5% no universo de tributação da pessoa física circunscreve-se em outro cenário, o da Lei nº 10.828/03, esta sim clara em definir o lapso temporal de vigência da alíquota – até 31 de dezembro de 2005.


Como então ficará a tributação do imposto sobre a renda da pessoa física a partir de 2006? Curiosamente, ainda não se sabe. Afirmo, porém, que se em 2005 não for publicada uma medida provisória ou lei que discipline a tributação sobre a renda da pessoa física a vigorar a partir de 2006, esse imposto não terá como ser exigido do contribuinte, por falta de comando legal. O preço pela inércia em tratar o assunto com a seriedade que merece pode vir alto, já que a arrecadação do imposto de renda sobre o trabalho atingiu patamares próximos a R$ 33 bilhões em 2004. Quero crer que o governo Lula não vai querer enfrentar esse embate jurídico. Quero crer também que as autoridades fiscais devem ter se equivocado ao usar como sustentação para a permanência definitiva da alíquota de 27,5% a Lei nº 11.119/05, lei essa que tratou apenas de reajustar a tabela progressiva em 10%. Não fosse assim, nos restaria o agradecimento ao presidente Lula pelo presente de grego que é a Lei nº 11.119. Em tempo: após conversa com o ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel, chegamos a um consenso: para evitar discussões judiciais é prudente a imediata publicação de uma norma que defina as alíquotas de tributação da pessoa física a partir de 2006. Será que essa norma sai em tempo?
 


Elisabeth Lewandowski Libertuci Libertuci é advogada em São Paulo, especialista em direito tributário e membro do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo 
Fonte: Valor Econômico

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