19 de outubro de 2015
Alerta vermelho
Debate sobre impeachment no STF e novo rebaixamento do País agitam Brasília e tornam ainda mais difícil o planejamento das empresas
Em uma tentativa recente de explicar o cenário local para a matriz, a presidente da subsidiária da Boeing, Donna Hrinak, pediu aos seus superiores que passem a considerar o Brasil como uma religião e não um país. Com a experiência de quem já foi embaixadora dos Estados Unidos em Brasília, Donna sugere que é preciso ter fé mais do que compreensão, numa forma simples de reforçar a tese de que há potencial de longo prazo a despeito da grave crise política.
Nos próximos contatos com o escritório americano, entretanto, Donna precisará pedir uma dose extra de crença religiosa, ao tentar explicar por que o debate sobre um possível processo de impechment da presidente Dilma Rousseff foi parar na corte máxima da Justiça brasileira. Tudo isso em meio a um novo alerta de uma agência de risco sobre capacidade do País em honrar seus compromissos, com o rebaixamento da sua nota de classificação. “Entendemos a gravidade da situação do Brasil, mas sabemos das possibilidades do País para o futuro”, afirma Donna. “Até os EUA passaram por crises.”
Por mais atraente que possa parecer o discurso do “futuro promissor”, os executivos de multinacionais como a Boeing perderam a capacidade de fazer planos diante de tanta incerteza. A própria fabricante de aviões teve de amargar a desistência de um contrato de defesa com o governo brasileiro que parecia certo, devido às restrições orçamentárias. A subsidiária da Cummins, fabricante de motores para caminhões, tenta até hoje fechar o planejamento para 2016. A incerteza sobre os efeitos da crise política no seu negócio atrasou o processo, que tradicionalmente já estaria pronto nesta época do ano.
Uma das principais dúvidas no radar é sobre o risco impeachment. “A saída da presidente não significa que seria a solução para o País”, afirma Luis Pasquotto, presidente da Cummins, que, no entanto, prefere se preparar para um cenário adverso independente do desenrolar político. A companhia cancelou recentemente os planos de construir uma nova fábrica no Brasil e não há previsão para rever a decisão. Na terça-feira 13, o Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu liminares que suspenderam as regras de tramitação definidas pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), para os processos de impeachment.
A estratégia costurada pela oposição com o peemedebista previa a rejeição inicial do pedido que depois iria a plenário. A expectativa era de que o processo fosse analisado na semana passada. O STF, no entanto, acatou argumentos de deputados da base governista que questionavam a legitimidade do rito. Na prática, Dilma ganhou tempo para tentar robustecer sua blindagem contra a ofensiva oposicionista. Cunha saiu fortalecido. O episódio suscitou rumores de uma reaproximação com o Planalto, o que seria uma resposta ao pedido da oposição pelo seu afastamento, diante das denúncias de que mantém contas secretas no exterior.
“Tenho exercido meu papel institucional”, afirmou o presidente da Casa. “Sempre disse que não ia agir nem como governo nem como oposição.” Na quinta-feira 15, o Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, abriu uma nova denúncia contra Cunha, para apurar a suspeita sobre contas secretas na Suíça. As negociações acerca do impeachment prejudicam a aprovação das medidas necessárias para reconquistar a confiança do País. Em audiência na Câmara, na quarta-feira 14, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, tentou convencer deputados da importância do ajuste para a estabilidade do País e a manutenção de programas sociais.
“É para isso que a gente quer a CPMF, para que a gente tenha dinheiro para pagar todas as responsabilidades da seguridade social”, afirmou Levy. A demora dos parlamentares se volta contra a presidente. “No Brasil não se resolve nada depressa”, afirmou Carlos Eduardo Lins da Silva, sócio da Patri Políticas Públicas, a empresários em evento na Câmara de Comércio Brasil-EUA (Amcham). Para Lins da Silva, cresceu a probabilidade de Dilma não terminar o mandato. “Se ela for impedida, as coisas melhoram de uma hora para outra”, afirma.
“Um novo presidente vai tirar do Congresso tudo o que quiser.” Para Dilma, há uma tenativa de golpe no ar. “É tentar chegar ao poder através de, vamos dizer assim, pedaladas políticas”, afirmou na quarta-feira 14. Cada episódio da política embaralha mais a economia, turva a confiança e aprofunda a recessão. A multinacional de sementes transgênicas Monsanto, por exemplo, tenta driblar a crise. Para não prejudicar o desempenho, decidiu deixar o negócio de cana-de-açúcar no País.
“Não podemos perder o foco no futuro, mas precisamos nos adequar ao curto prazo”, afirma Rodrigo Santos, presidente da Monsanto. A visão dos empresários sobre o contágio da política pode ser simbolizada pelo anúncio do rebaixamento da nota de crédito do Brasil pela agência de classificação Fitch, na quinta-feira 15. Com a queda de um degrau na escala de risco, o País ficou a um passo da perda do grau de investimento, espécie de selo de bom pagador que ajuda atestar a capacidade de pagamento no mercado.
Ao colocar a nota em perspectiva negativa, a Fitch, na prática, indica que, se o País não implementar medidas para corrigir a trajetória de aumento da dívida, deve perder o status de grau de investimento em até dois anos. “Se a situação política levar a um cenário em que os riscos para baixo são maiores, o comitê de analistas pode fazer uma nova avaliação”, afirma Rafael Guedes, diretor da Fitch no Brasil. “O impeachment certamente seria negativo, assim como não fazer nada também está sendo.” Em setembro, a Standard & Poor’s retirou o selo de bom pagador do Brasil.
A perda do grau de investimento por uma nova agência é temerosa porque aciona cláusulas de barreiras de fundos de pensão globais, que seriam obrigados a retirar o dinheiro do País, agravando o cenário de câmbio. Com as incertezas, o real acumula uma desvalorização de 40% desde janeiro. Estimativas do Citibank mostram que se o risco-país do Brasil não tivesse avançado tanto, o câmbio estaria mais próximo de R$ 3,30. “Enquanto não houver clareza do ponto de vista das finanças públicas, não haverá confiança”, diz Marcelo Muinhos, economista-chefe do Citibank. É o alerta vermelho que foi acionado em Brasília.
Fonte: Isto É Dinheiro
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