1 de junho de 2006

Artigo: Participação dos Empregados nos Lucros ou Resultados da Empresa: Incidência de Contribuiçõe

EM-226/2006
Blumenau, 31 de junho de 2006.

Empresários da Contabilidade

Participação dos Empregados nos Lucros ou Resultados da Empresa:
Incidência de Contribuições Previdenciárias
Kiyoshi Harada*
Sydney Sanches*
                                                                             Elaborada em 01/2006
CONSULTA

Assunto: Participação nos lucros ou resultados – PLR – prevista no art. 7º, XI da CF.

A consulente indaga a respeito da participação nos lucros, ou resultados prevista no inciso XI do art. 7º da CF, narrando os fatos, apresentando documentação pertinente e formulando os quesitos.


Trata-se de autuação feita pelo INSS exigindo da empresa consulente o recolhimento das contribuições previdenciárias, incluídas as prestações do SAT, Salário Educação, SESI, SENAI, SEBRAE e INCRA, incidindo sobre as importâncias pagas a título de Participação nos Lucros ou Resultados – PLR – porque esses pagamentos não teriam atendido aos requisitos previstos na MP 794/94 e reedições, hoje, convertida na Lei nº 10.101, de 19.12.2000. Conferiu-lhes, portanto, natureza salarial, exigindo o pagamento da importância de R$90.207.266,47 referente às competências de 11/1995 a 01/2004.


Feita a impugnação tempestiva, o auto foi mantido, ensejando a interposição de recurso para o E. Conselho de Recursos da Previdência Social, em 30-9-2005.


Para subsidiar os argumentos apresentados no citado recurso foi solicitado nosso parecer abordando os diferentes itens consignados na decisão administrativa de primeira instância, que manteve os termos da peça fiscal inaugural, formulando os seguintes quesitos:


1)Qual o prazo decadencial para a constituição do crédito tributário, em relação à contribuição a que se refere o art. 195, I, a da CF?


2)A norma do art. 7º, XI da CF, é auto-aplicável? Se não por inteiro em que parte o seria? Os requisitos estabelecidos no art. 2º da Lei nº 10.101/2000, notadamente, no § 1º desse artigo, harmonizam-se com o preceito constitucional em questão, ou, ao contrário, impõem restrições ao seu conteúdo deontológico?


3)Qual o alcance e conteúdo do § 3º do art. 3º da Lei nº 10.101/2000? Na eventual hipótese dos pagamentos a título de PLR não preencherem os requisitos exigidos pelo art. 2º e seu § 1º da Lei nº 10.101/2000, desde que, desvinculados da remuneração devida aos empregados, esses valores pagos podem ser excluídos da base de cálculo de quaisquer encargos trabalhistas e previdenciários, na forma do caput do art. 3º?


4)Qual a natureza jurídica do inciso XI do art. 7º da CF, na parte que desvincula a participação nos lucros, ou resultados da remuneração devida ao empregado?


5)É constitucional o lançamento da contribuição previdenciária sobre pagamentos feitos a título de participação nos lucros, ou resultados?


6)Qual a natureza jurídica dos instrumentos de ‘acordo sobre participação nos resultados’ firmados pela Empresa e Comissão de Empregados desde 1995 até 2004? Podem ser interpretados isoladamente, ou devem ser analisados em conjunto com os demais dados, notadamente com o Programa de Gestão de Desempenho por Competências e Resultados? Qual o exato sentido da cláusula 6ª contida nesses instrumentos de acordo sobre PLR?


7)Pode haver incidência de contribuição previdenciária sobre os pagamentos feitos, no período autuado, a título de participação nos lucros, ou resultados? Esses pagamentos preenchem os requisitos da legislação específica?


8)A exclusão do benefício da PLR para os exercentes de cargos com salários superiores a R$1.500,00, nos exercícios de 1998 e 1999, apontada no item 2.3.3.3 da decisão monocrática, descaracteriza a natureza desse benefício?


9)Considerando que, em diligência mencionada no item 17.1 da decisão de primeira instância, o fisco constatou a existência na empresa de ‘um programa gerencial anual (introduzido em 1996) onde se estabelece previamente objetivos a serem alcançados, com posterior acompanhamento (através das Fichas de Gestão de Desempenho por Competência e Resultados), para os níveis Gerenciais/Chefias (Gestores), chamado de Sistema de Gestão de Desempenho’, pode-se afirmar que a manutenção do lançamento da contribuição previdenciária sobre todos os pagamentos feitos a título de PLR atendeu aos princípios básicos que regem o processo administrativo tributário?


10)A multa aplicada está de acordo com a legislação? Ela obedeceu ao princípio da razoabilidade e da proporcionalidade?


11)É constitucional a aplicação da Taxa Selic sobre o valor do crédito tributário?


12)A co-responsabilização dos sócios e procuradores da empresa nos termos da NFLD nº 35.132.833-5, objeto de recurso, tem amparo legal?


PARECER DA DECADÊNCIA


Para o exame da decadência das contribuições sociais do art. 195, I, a da Carta Maior, mister se faz definir, primeiramente, a natureza jurídica, bem como a legislação aplicável a essas contribuições sociais.


Sob a égide da Constituição Federal de 1988, não há mais dissidência jurisprudencial em torno da natureza tributária da referida exação. O Supremo Tribunal Federal, agasalhando o posicionamento da doutrina majoritária, fixou definitivamente o entendimento quanto à natureza tributária das contribuições sociais. É o que ficou decidido no RE nº 138.284-8-CE, Tribunal Pleno, Relator Ministro Carlos Velloso, in RTJ 143/313 e no RE nº 146.733-9-SP, Tribunal Pleno, Relator Ministro Moreira Alves, in DJ 03/03/1993.


Diante disso, aplicável o disposto no artigo 146, III da CF, que assim prescreve:


Art. 146. Cabe a lei complementar:


(…)


III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:


(…)


b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários.’


Decorre desse texto constitucional que a matéria concernente à disciplina da decadência e prescrição tributárias ficou reservada à lei complementar, o que afasta a incidência da norma de lei ordinária sobre essa matéria.


Logo, o prazo decadencial das contribuições sociais do art. 195, I, a da CF somente pode ser o regulado pelo Código Tributário Nacional, lei materialmente complementar, o que afasta, ipso fato, a incidência do prazo decadencial decenal contido na Lei nº 8.212/91, invocado pelo Instituto Nacional do Seguro Social.


Uma vez identificada a legislação aplicável ao caso sob consulta, faz-se necessário fixar o termo inicial do prazo qüinqüenal de decadência, pelo que passaremos a examinar a modalidade de lançamento em que se enquadram as contribuições previdenciárias objeto de exigência pelo órgão securitário.


Conforme estabelecido no art. 30 da Lei nº 8.212/91, a contribuição previdenciária enquadra-se na modalidade de lançamento por homologação, caracterizada pela antecipação do pagamento do tributo pelo sujeito passivo sem prévio exame do fisco. No momento em que a autoridade administrativa toma conhecimento da atividade exercida pelo sujeito passivo e a homologa, opera-se simultaneamente a constituição do crédito tributário e sua extinção, conforme se depreende do art. 150 e § 4º do CTN adiante transcritos:


‘Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa.


(…)


§ 4º – Se a lei não fixar prazo à homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação’.


Como se verifica das expressões grifadas, o que se homologa não é o pagamento antecipado, mas a atividade exercida pelo obrigado. Isso explica a razão pela qual o fisco, ante o não recolhimento do imposto corretamente escriturado pelo contribuinte em seus livros fiscais, deixa de lavrar o auto de infração promovendo diretamente a inscrição do crédito tributário na dívida ativa. Parte da doutrina, equivocadamente, tem condenado essa prática escorreita alegando violação dos princípios do contraditório e da ampla defesa. A imposição do auto e respectiva notificação só tem lugar quando o fisco deixa de homologar, expressa ou tacitamente, a atividade exercida pelo contribuinte, o que deverá ser feito no prazo de cinco anos a contar da ocorrência do fato gerador. Não cabe ao aplicador alterar a modalidade de lançamento por homologação em lançamento por ofício. A modalidade de lançamento está prevista na lei de regência de cada tributo. A prescrição da lei é no sentido de que, na hipótese de o sujeito passivo descumprir a sua obrigação de antecipar o pagamento do tributo, sem prévio exame do fisco, nos prazos previstos em lei, a Fazenda exercerá o poder-dever de suprir aquela omissão, promovendo o lançamento direto, porém, sempre dentro do prazo decadencial próprio da modalidade de lançamento por homologação. Em outras palavras, o fisco tem o prazo de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador para concordar com as atividades exercidas pelo sujeito passivo, ou, delas discordar, hipótese em que calculará o montante do tributo devido, na forma do art. 142 do CTN, notificando o sujeito passivo para seu pagamento ou impugnação (art. 145 do CTN).


Daí o grande equívoco dos que sustentam a tese de que, no caso de não pagamento do tributo relativo aos valores declarados, a contagem do prazo decadencial se faria na forma do artigo 173, I do CTN, que estabelece o dies a quo da decadência o dia primeiro do exercício seguinte àquele em que o lançamento deveria ter sido efetuado.


Ora, o que se homologa não é o pagamento, mas toda a atividade procedimental tendente a verificar a ocorrência do fato gerador, levada ao conhecimento da autoridade.


Outro não é o entendimento de Souto Maior Borges:


‘…Compete à autoridade administrativa, ‘ex vi’ do artigo 150, caput, homologar a atividade previamente exercida pelo sujeito passivo, atividade que em princípio implica, embora não necessariamente, em pagamento. E, o ato administrativo de homologação, na disciplina do CTN, identifica-se precisamente com o lançamento (…) conseqüentemente, a tecnologia contemplada no CTN é, sob esse aspecto, feliz: homologa-se a ‘atividade’ do sujeito passivo, não necessariamente o pagamento’.


Não se cogitando, na espécie, de dolo, fraude ou simulação (cf. item 13 da NFLD nº 35.132.833-5), o prazo decadencial para a constituição da contribuição previdenciária, nos exatos termos do parágrafo 4º do art. 150 do CTN, é de cinco anos a contar da ocorrência do respectivo fato gerador da obrigação tributária. Enquanto que, no lançamento por homologação, considera-se o ano civil, assim definido no art. 1º da Lei nº 810, de 6-9-1949, para contagem do prazo qüinqüenal de decadência, no lançamento direto leva-se em conta o ano calendário, coincidente com o exercício fiscal. Até nisso diferem as duas modalidades de lançamento, não podendo a autoridade administrativa ou judiciária substituir uma modalidade pela outra, a pretexto de que não houve antecipação do pagamento. No lançamento direto, o crédito tributário tem-se por definitivamente constituído na data da notificação do contribuinte (art. 145 do CTN), passando a fluir dessa data em diante o prazo prescricional de cinco anos para sua cobrança (art. 174 do CTN). No lançamento por homologação, decorridos cinco anos, a contar da data da ocorrência do fato gerador, sem manifestação do sujeito ativo do tributo, tem-se por definitivamente constituído e simultaneamente extinto o crédito tributário (§ 4º do art. 150 do CTN), hipótese em que não se cogita de prazo prescricional.


Dada a natureza tributária da contribuição previdenciária é manifestamente inconstitucional o prazo decenal, previsto no artigo 45 da Lei nº 8.212/91, por invasão de matéria reservada à lei complementar.


Nesse sentido a jurisprudência de nossos tribunais:


‘EMENTA.


PROCESSUAL E TRIBUTÁRIO. ICM. EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS DO DEVEDOR. DECADÊNCIA. PRECEDENTE.


1. A caducidade opera-se em relação ao direito material de constituir o crédito tributário.


2. Transcorridos mais de cinco anos do fato gerador até a constituição do crédito tributário, extingue-se definitivamente o direito do fisco de cobrá-lo.


3. Recurso especial improvido.’ (Resp nº 178433/ SP, Rel.Min. Francisco Peçanha Martins, DJ de 21-8-2000, p. 108).


‘EMENTA.


OBJEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE – EXECUÇÃO FISCAL – IMPOSTO DE TRANSMISSÃO INTER VIVOS DE BENS IMÓVEIS (ITBI) – DIFERENÇA DO VALOR INICIALMENTE RECOLHIDO – AÇÃO FISCAL DA FAZENDA APÓS OS CINCO ANOS DA OCORRÊNCIA DO FATO GERADOR – INVIABILIDADE – DECADÊNCIA – LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO, COM A EXTINÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO – ART. 7º, II, DA LEI Nº 31.194/92 E ART. 150, § 4º DO CTN – EXCEÇÃO ACOLHIDA – AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO.'(TJSP, AI nº 2.002.231-5, Rel. Des. Paulo Eduardo Razuk, DOE de 13-04-2005).


Do exposto, considerando que a notificação do lançamento ocorreu no dia 22-09-2004, resulta claro que estão sob os efeitos da decadência as contribuições sociais, cujos fatos geradores ocorreram antes do dia 22-09-1999.


DA INTERPRETAÇÃO DO ART. 7º, XI DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL


O art. 7º, XI da CF tem a seguinte redação:


‘Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem a melhoria de sua condição social:


(…)


XI – participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei.’


Interpretando o dispositivo constitucional supra transcrito encontramos três correntes doutrinárias. A primeira delas entende que existe a necessidade de prévia regulamentação por lei ordinária, tanto da participação nos lucros ou resultados, como também da participação na gestão da empresa para que o preceito constitucional pudesse ser aplicado. A segunda corrente entende que a primeira parte do dispositivo sob comento é auto-aplicável, dependendo de regulamentação apenas a segunda parte concernente à gestão da empresa. E, por fim, existe uma terceira corrente entendendo que a primeira parte do preceito constitucional é auto-aplicável apenas no que diz respeito à desvinculação da PLR da remuneração.


Examinemos, mais de perto, o posicionamento esposado pela terceira corrente doutrinária, que defende a auto-aplicabilidade da desvinculação da PLR da remuneração e que veio a ser encampado pela jurisprudência de nossos tribunais.


Conforme preleciona o professor Amauri Mascaro do Nascimento:


‘A participação nos lucros assegurada aos trabalhadores pela Constituição Federal de 1988, art. 7º, XI, é desvinculada do salário. Nenhuma dúvida subsiste quanto à referida desvinculação porque está literalmente declarada pela legislação, o que afasta dúvida sobre a mesma. O art. 7º, XI, da Constituição Federal de 1988, na parte final, ao declarar “conforme definido em lei”, não está se referindo à participação nos lucros, mas, apenas, à participação na gestão da empresa. Esta depende de lei que lhe dê aplicabilidade. Aquela não. Com efeito, a norma que dispõe sobra a participação nos lucros, ou nos resultados, é desvinculada do salário. A dependência da lei restringe-se à participação na gestão. A segunda parte do texto é que está relacionada com a lei. Com a primeira não ocorre o mesmo. É que pelas suas naturais implicações na empresa, a participação do trabalhador na sua gestão é matéria complexa, que só se justifica excepcionalmente.


As quantias pagas aos trabalhadores a título de participação nos lucros não têm natureza jurídica salarial. Não são salários. Não se caracterizam como remuneração do trabalho. Não integram o salário.


Fica afetada a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, que, através do Enunciado n. 251, declara que “a parcela participação nos lucros de empresa, habitualmente paga, tem natureza salarial, para todos os efeitos legais”. Essa diretriz jurisprudencial,que até agora tinha suporte no art. 457, § 1º, da CLT, segundo o qual as percentagens pagas a empregado integram o salário, atrita-se com o princípio constitucional, de acordo com o qual as parcelas atribuídas ao trabalhador são desvinculadas do salário. Constituem um pagamento não salarial cuja natureza jurídica é expressada pelo seu nome, participação nos lucros. Assim, as percentagens pagas ao empregado continuam computadas nos salários, salvo a referente à participação nos lucros, por força do princípio constitucional.


(…)


A doutrina brasileira, influenciada pela legislação (CLT, art. 457, § 1º), que considera percentagens salário, posicionou-se, pela natureza jurídica salarial, sendo essa opinião até agora manifestada, dentre outros, por José Martins Catharino, para quem “no nosso direito positivo é salário a participação determinada de acordo com a percentagem sobre lucros ou em relação às entradas, toda vez que seja feito o contrato de trabalho”; por Luiz José de Mesquita, ao afirmar que “esse pagamento incorpora-se, para o futuro na remuneração”; e por Délio Maranhão, ao dizer que “a participação nos lucros é, pois, salário”.


Todavia, essas opiniões, ressalve-se, foram expendidas antes da nova Constituição, e agora são diferentes, em razão da alteração da lei. Basta exemplificar com o magistério do Min. Arnaldo Lopes Süssekind (Instituições de direito do trabalho, em co-autoria com Délio Maranhão e Segadas Vianna, 13. ed., São Paulo, LTr, 1993, v. 1): “Modificação de relevo ocorreu com a natureza jurídica da prestação paga ao empregado a título de participação nos lucros da empresa. A doutrina e a jurisprudência dos nossos tribunais sempre afirmaram sua natureza salarial (Súmula TST n. 251). Hoje, todavia, a prestação paga como participação nos lucros ou nos resultados está expressamente ‘desvinculada da remuneração’, isto é, não constitui salário e, por via de conseqüência, não pode ser computada: a) no pagamento do salário devido ao empregado; b) na base de incidência dos depósitos do FGTS, das contribuições previdenciárias e de outros tributos cujo fato gerador seja a remuneração do empregado; c) no cálculo de adicionais, indenizações e outras prestações que incidam sobre a remuneração”.


(…)


Não sendo salários, os valores pagos a título de participação nos lucros não serão considerados para efeito de incidência de ônus sociais, trabalhistas, previdenciários ou fiscais.


A participação nos lucros não entra no salário-base do empregado para fins de recolhimento do fundo de garantia, do cálculo de indenizações de 13º salário, de remuneração das férias e do repouso semanal, de pagamento de adicionais salariais, de gratificações, prêmios, abonos, de recolhimento de contribuições previdenciárias etc.’


No mesmo sentido a lição do ilustre mestre Arnaldo Süssekind, que assim afirma:


‘A obrigatoriedade da participação, tantos nos lucros, ou resultados, como na gestão, ficou dependendo de lei regulamentadora dessa norma. Não obstante, ela gerou, desde logo, efeitos jurídicos no tocante à natureza da prestação paga, a título de participação, seja em virtude de convenção ou de acordo coletivo, seja em decorrência de estatuto ou regulamento de empresa. Porque “desvinculada da remuneração”, os valores da participação nos lucros, ou nos resultados, não mais constituem salários e, assim, não podem ser computados: a) para complementar o salário devido ao empregado; b) da base de incidência dos depósitos do FGTS, das contribuições previdenciárias e de outros tributos cujo fato gerador seja a remuneração do empregado; c) no cálculo de adicionais, indenizações e outras prestações que incidem sobre a remuneração ou o salário. Daí ter o TST cancelado o seu Enunciado n. 251.”


Reafirmando a desvinculação da PLR da remuneração, o prof. Walter Ceneviva proclama:


‘Existente há decênios no direito brasileiro, mas sem aplicação útil, a participação nos lucros, ou resultados, está no inc. XI. Seu conceito é sempre desvinculado da remuneração, ou seja, constitui vantagem a mais, assegurada ao trabalhador, vedada a compensação com verbas pagas a título salarial.’


Nesse sentido, também dispõe Valentin Carrion:


‘2. A participação nos lucros e nos resultados contém duas faculdades muito acertadas: a desvinculação da remuneração as livrará do pesado ônus da integração às demais verbas devidas ao empregado(…)a participação não substitui a remuneração, nem pode ser base de incidência de encargo trabalhista ou previdenciário; pagamento com periodicidade mínima de 6 meses(…) “A nova disposição constitucional deixa sem efeito o Enunciado 251 do Tribunal Superior do Trabalho” (Celso Bastos, Comentários à Constituição, v. 2, p. 445).’


É, outrossim, entendimento pacífico na doutrina especializada de que na regulamentação de norma constitucional auto-aplicável, o legislador ordinário deverá ater-se a explicitar o seu conteúdo sem inovar quer diminuindo, quer aumentando o seu alcance.


Nesse sentido, muito bem preleciona o professor Celso Ribeiro Bastos:


‘Em outras palavras, as normas de aplicação são as normas ‘cheias’, que não demandam complementação, e, muito pelo contrário, se forem complementadas, deverão sê-lo com muita cautela, já que sua estrutura basta a si mesma, a qualquer regulamentação posterior poderá extrapolar os limites da constitucionalidade. Já salientamos alhures em obra com o Prof. Carlos Ayres de Brito que: ‘Logo, prescindem de qualquer normação complementar, pois nada se pode introduzir em algo que já é, por si só, compacto. Estamos diante de uma realidade normativa inelástica, insuscetível de modelagem por outro cinzel que não o do próprio constituinte. Daí a sua absoluta alergia e repúdio aos eventuais atentados da lei infraconstitucional, quanto àquele núcleo mandamental compacto.’


É importante lembrar, também, a advertência de Luis Roberto Barroso na interpretação dos direitos fundamentais:


‘Essa tarefa exige boa dogmática constitucional e capacidade de trabalhar o direito positivo. Para fugir do discurso vazio, é necessário ir à norma, interpretá-la, dissecá-la e aplicá-la. Em matéria constitucional é fundamental que se diga, o apego ao texto positivado não importa em reduzir o direito à norma, mas ao contrário, em elevá-lo à condição de norma, pois ele tem sido menos que isso (v. supra). O resgate da imperatividade do texto constitucional e sua interpretação à luz de oa dogmática jurídica, por óbvio que possa parecer, é uma instigante novidade neste país acostumado a maltratar as suas instituições.’


Ainda que se entenda que a primeira parte do dispositivo sob comento não é de eficácia plena, é de se invocar a lição de José Afonso da Silva, que assim proclama:


‘A norma constitucional dependente de legislação também entra em vigor na data prevista na Constituição. Sua eficácia integral é que fica na dependência da lei integrativa. A distinção não é acadêmica. Tem consequëncias práticas de relevo. Pois tais normas, desde que entram em vigor, são aplicáveis até onde possam, devendo notar-se que muitas delas são quase de eficácia plena, interferindo o legislador ordinário tão-só para aperfeiçoamento de sua aplicabilidade’.


Confirmando o entendimento doutrinário retro mencionado a jurisprudência de nossos tribunais vem reafirmando a auto-aplicabilidade do art. 7º, XI da CF, na parte em que prevê a desvinculação da PLR da remuneração, qualquer que seja a natureza da norma em questão, conforme ementas abaixo transcritas:


‘EMENTA.


RECURSO ESPECIAL. ALÍNEA ‘A’. TRIBUTÁRIO. SALÁRIO-DE-CONTRIBUIÇÃO. VERBAS PERCEBIDAS PELOS EMPREGADOS A TÍTULO DE PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS. NÃO INCIDÊNCIA DA CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. ARTIGO 7º, INCISO XI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NORMA DE EFICÁCIA CONTIDA, APENAS EM PARTE. ART. 28, § 9º, LETRA ‘J’, DA LEI N. 8.212/91.


RECURSO NÃO CONHECIDO.

A questão merece ser apreciada no âmbito exclusivamente infraconstitucional, notadamente à luz do art. 28, § 9º, letra j’, da Lei n. 8.212/91, com observância do inciso XI do artigo 7º da Carta Magna.


Deve prevalecer o entendimento segundo o qual a análise da aplicação de uma lei federal não é incompatível com o exame de questões constitucionais subjacentes ou adjacentes. A competência somente seria deslocada para a Máxima Corte se a v. decisão recorrida tivesse julgado o feito única e exclusivamente sob o prisma constitucional, o que se não verifica na espécie.


A letra fria desse dispositivo da Carta Maior embora não totalmente auto-aplicável ou de eficácia contida, é plenamente eficaz num ponto, mesmo antes da Medida Provisória n. 794/94, de 29 de dezembro de 1994, ou seja, no que diz respeito à desvinculação entre participação nos lucros e remuneração do trabalhador.


Recurso não conhecido.’ ( Resp nº 283.512, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ de 31-03-2003, p. 190). No mesmo sentido os Resps ns. 381.246-RS, DJ de 23-6-2003, p. 312 e 438.712-RS, DJ, de 12-5-2003, p. 284, ambos de relatoria do mesmo Min. Franciulli Netto).


‘EMENTA.


PREVIDENCIÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE PARTICIPAÇÃO DOS EMPREGADOS NOS LUCROS DA EMPRESA. CARÁTER NÃO SALARIAL DA PARTICIPAÇÃO.


1.O art. 7º inciso XI da CF é auto-aplicável no que se refere à desvinculação da “remuneração” da “participação dos empregados nos lucros da empresa”, porque qualquer regulamentação que viesse a ser feita por lei ordinária não poderia dispor de forma diferente quanto à desvinculação de ambos.


2.O parágrafo 4º do art. 201 da CF não se aplica à participação nos lucros porque esta, ainda que paga continuamente por vários anos, jamais poderá ser considerada “habitual”, pois, pela sua natureza, estará sempre presente a possibilidade de que em determinado exercício haja prejuízo ao invés de lucro.


3.Incabível, portanto, a cobrança de contribuição previdenciária sobre a participação nos lucros da empresa.


-Apelação e remessa oficial improvidas.’ (TRF 5ª Região, AC nº 114325-SE, Rel. Juiz Castro Meira, DJ de 23-2-2001, p. 468).


‘EMENTA.


CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. INCIDÊNCIA SOBRE PARCELAS RECEBIDAS PELOS EMPREGADOS A TÍTULO DE PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS DA EMPRESA. INADMISSIBILIDADE.


1. O artigo 7º, XI, da Constituição Federal confirma o direito dos trabalhadores urbanos e rurais em participar nos lucros ou resultados da empresa, desvinculada da remuneração. Nestes limites, a regra sempre foi plenamente eficaz, com aplicabilidade imediata.


2. Existe a possibilidade desta eficácia ser contida mediante a superveniência de uma lei, nos exatos termos do próprio dispositivo constitucional, mas que de forma alguma poderá dispor sobre vincular a participação nos lucros à remuneração. O que poderá ser feito, tão-somente, é regulamentar-se sobre a extensão desta participação nos lucros, se maior ou menor, mas sempre desvinculada da remuneração.’ (TRF 4ª Região, AG nº 199804010117973-RS, Rel. Juiz Tania Terezinha Cardoso Escobar, DJU de 5-4-2000, p. 68).


‘EMENTA.


EXECUÇÃO FISCAL. PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS. ART. 7, XI DA CF. MP 794/94.


– A participação nos lucros ou resultados da empresa, conforme demonstrada nos autos, e prevista no inciso XI do artigo 7º da Constituição Federal, não integra a base de cálculo para o salário-de-contribuição, mesmo no período anterior ao advento da MP 794/94, sob pena de se negar vigência ao direito do trabalhador constitucionalmente previsto, e considerando-se ainda, que não há qualquer sustentação jurídica para que se afirme que a distribuição de lucro ao trabalhador, tinha caráter remuneratório, ante a ausência de disposição legal neste sentido.’ (REO nº 1999.71.11.002879-0/RS, Rel. Des. Federal Maria Lúcia Luz Leiria, DJU de 17-12-2003, p. 308).


‘EMENTA.


PREVIDENCIÁRIO – CONTRIBUIÇÕES: INCIDÊNCIA – PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS (CF ART. 7º, XI).


1. Concedida a participação nos lucros antes da regulamentação legislativa, sobre tal parcela não incide a contribuição previdenciária.


2. Natureza jurídica do instituto, derivada da previsão constitucional de abrangência plena.


3. A participação nos lucros não integra o salário. Revogado, no particular, o teor da Súmula 251 do TST.


4. Recurso e remessa improvidos.’ (TRF 1ª Região, AC nº 1998.01.00.057692-1/MG, Rel. Juíza Eliana Calmon, DJ de 23-4-1999, p. 287).


‘EMENTA.


TRIBUTÁRIO. CONSTITUCIONAL. PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS: NATUREZA JURÍDICA. NÃO-INCIDÊNCIA DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. CF/88, ART. 7º, INCISO XI.


I – A participação nos lucros preconizada na Constituição Federal de 1988, art. 7º, inciso XI, não tem caráter salarial, razão por que não devem incidir contribuições previdenciárias sobre ela.


II – O inciso XI do art. 7º da Constituição é norma programática de eficácia contida, pendente de regulamentação, mas dotado de normatividade.


III – Apelação e remessa improvidas.’ (TRF 1ª Região, AC nº 1998.01.00.061612-3-MG, Rel. Juiz Candido Ribeiro, DJ de 17-8-2001, p. 32).


Conforme se vê, parcela ponderável dos doutrinadores é pela auto-aplicabilidade da primeira parte do inciso XI do art. 7º sob comento.


Contudo, em relação à desvinculação da PLR da remuneração tanto a doutrina como a jurisprudência de nossos tribunais, com exceção a do Supremo Tribunal Federal, que analisou a questão sob outro enfoque, como adiante se verá, são unânimes no sentido da auto-aplicabilidade. E nem poderia ser de outra forma, pois o conceito de desvinculação da PLR da remuneração é unívoco. Nenhuma lei infraconstitucional poderia considerar vinculado, total ou parcialmente, aquilo que a Lei Maior desvinculou.


Registre-se, todavia, a bem da verdade, que a decisão monocrática proferida pelo Min. Gilmar Mendes do STF ((RE 380.636-SC, DJ de 24-10-2005, p. 0057), com base no que teria sido assentado no Mandado de Injunção nº 102 impetrado pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Pombos (Rel. p/ acórdão Min. Carlos Velloso, DJ de 25-10-2002) chegou a dizer que a ‘regulamentação do art. 7º, XI da Constituição somente ocorreu com a edição da Medida Provisória nº 794, de 1994, que implementou o direito dos trabalhadores na participação nos lucros da empresa. Desse modo, a participação nos lucros somente pode ser considerada desvinculada da remuneração (art. 7º, XI da Constituição Federal) após a edição da citada Medida Provisória’.


No mesmo sentido a decisão monocrática proferida no RE 351.506-RS de que foi Relator o Min. Eros Grau.


É curioso notar, no entanto, que no invocado Mandado de Injunção, o Plenário da Corte Suprema não chegou a examinar o mérito do pedido, julgando prejudicada a ação conforme ementa do V. Acórdão:


‘Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por votação majoritária, reconhecer a legitimidade ativa da entidade sindical para impetrar mandado de injunção coletivo, vencido o Ministro Relator. Prosseguindo no julgamento, o Tribunal, também por votação majoritária, julgou prejudicada a ação de mandado de injunção, em face da superveniência de medida provisória disciplinando o art. 7º, inciso XI, da Constituição Federal, vencido o Ministro Sepúlveda Pertence.(MI nº 102, Rel. p/ Acórdão Min. Carlos Velloso, DJ de 25-10-2002).


Seja como for, para o caso sob consulta, cujo período de autuação fiscal é posterior à regulamentação pela MP nº 794/94, é indiferente o posicionamento doutrinário e jurisprudencial no que se refere à auto-aplicabilidade ou não do preceito constitucional objeto de análise. O importante é que a própria Corte Suprema deixou bem claro que, a partir do advento da MP nº 794/94, o dispositivo constitucional que determina a desvinculação dos lucros ou resultados da remuneração percebida pelos empregados, passou a ter plena eficácia. É o que basta.


DA NATUREZA JURÍDICA DA DESVINCULAÇÃO DA PLR DO CONCEITO DE REMUNERAÇÃO E SUA CONSEQÜÊNCIA


Transcrevamos novamente o inciso XI do art. 7º da Constituição Federal para melhor exame:


‘XI – participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei;


É o próprio texto constitucional que exclui, de forma expressa, a natureza remuneratória das participações dos empregados nos lucros, ou resultados auferidos pela empresa. Não bastasse a auto-aplicabilidade da expressão ‘desvinculada da remuneração’, o STF veio espancar qualquer dúvida a respeito proclamando expressamente que, com o advento da MP nº 794/94, a participação nos lucros ficou desvinculada da remuneração.


Ora, se a PLR está excluída do conceito de remuneração, por óbvio, a contribuição social de que trata o art. 195, I, a da CF incidente sobre a ‘folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício’, não poderá levar em conta aquela PLR na definição do fato gerador da contribuição previdenciária. Em outras palavras, a participação nos lucros ou nos resultados não poderá servir de suporte fático da tributação.


Se é certo que cabe ao legislador infra-constitucional definir o fato gerador dos tributos, também é certo que essa definição legal não poderá desrespeitar as limitações constitucionais ao poder de tributar. E uma dessas limitações é exatamente a imunidade tributária. Não importa a denominação ‘imunidade’, ‘isenção’, ‘não-incidência’, ou quaisquer outros vocábulos ou termos utilizados na Constituição Federal. Basta simples exame dos textos constitucionais para verificar que o legislador constituinte utilizou-se de diferentes expressões, ao estatuir, dentre outras, as seguintes imunidades: a imunidade de custas judiciais na ação popular (art. 5º, LXXVIII da CF); a imunidade de taxas, aos reconhecidamente pobres, para expedição de registro civil de nascimento e de óbito (art. 5º, LXXVI, a e b da CF); imunidade recíproca (art. 150, VI, a da CF); imunidade genérica dos partidos políticos, das instituições de educação e de assistência social, dos sindicatos, dos templos e do livro (art. 150, VI, b e c da CF); imunidade do IPI (art. 153, § 3º, III da CF); imunidade do ITR sobre pequenas glebas rurais (art. 153, § 4º da CF); imunidade das contribuições sociais (art. 195, § 7º da CF) etc.


O importante é que as imunidades externam vedações absolutas ao poder de tributar certas pessoas (subjetivas) ou certos bens (objetivas), ou ainda, uns e outros. Por isso, elas tornam inconstitucionais as leis ordinárias que as afrontam.


No caso sob exame, o legislador constituinte, objetivando incentivar as empresas a repartirem seus lucros ou resultados com os seus empregados, promovendo a ‘socialização dos lucros’ como meio de alcançar o justo equilíbrio entre o capital e o trabalho, prescreveu no inciso XI do art. 7º da Carta Política, que a PLR fica desvinculada da remuneração. Em outras palavras, retirou do campo do exercício da competência impositiva prevista no art. 195, I, a da CF tudo o que for pago pela empresa a título de participação nos lucros, ou resultados. Forçoso é concluir que o inciso I do art. 22 da Lei nº 8.212/91, que define a contribuição a cargo da empresa em ‘vinte por cento sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, durante o mês, aos segurados empregados…’, há de ser interpretado com a exclusão das parcelas correspondentes à participação nos lucros ou resultados. A PLR, uma vez imunizada pela Constituição, jamais poderia integrar a base de cálculo da contribuição previdenciária, sem gravíssima ofensa ao texto constitucional.


Nesse sentido, muito bem preleciona o professor Paulo de Barros Carvalho:


‘Os preceitos que definem a adjudicação de competências tributárias hão de preceder os dispositivos editados em função dos poderes outorgados. E a proposição não admite comutatividade. Seria incompreensível analisar a norma jurídica que cria o tributo e, portanto, define a incidência, sem antes observar, atentamente, os canais que a Constituição elegeu para esse fim.’


Assim, rui por terra a invocação do art. 28, § 9º, j, da Lei nº 8.212/91 feita pela r. decisão recorrida no sentido de que apenas a PLR ‘paga ou creditada de acordo com a lei específica’ deixa de integrar o salário-de-contribuição para os fins de tributação.


Ora, a exclusão da participação nos lucros ou resultados do conceito de remuneração não é algo que dependa de definição legal. Implementada a norma imunizante, a PLR fica ipso fato excluída do conceito de remuneração. E já vimos que essa implementação, na pior das hipóteses, deu-se com o advento da MP 794/94 não bastasse a auto-aplicabilidade do conceito de desvinculação salarial.


A toda evidência, o texto constitucional obstou o exercício da atividade legislativa da União para impor contribuição previdenciária sobre lucros ou resultados distribuídos pela empresa a seus empregados. Difere completamente da isenção ou incentivo fiscal que se dá no plano infraconstitucional.


Daí porque, ‘data máxima vênia’, juridicamente irrelevantes tanto a invocação feita pelo fisco do § 6º do art. 150 da CF, que cuida da especialidade da lei isentiva, como também do apego ao art. 111 do CTN, que prescreve um método de interpretação literal para normas que instituem isenções.


Por isso, obediente ao preceito constitucional, a MP nº 794/94 veio prescrever em seu art. 3º:


‘Art. 3º. A participação de que trata o art. 2º não substitui ou complementa a remuneração devida a qualquer empregado, nem constitui base de incidência de qualquer encargo trabalhista ou previdenciário.’


DO EXAME DA LEI Nº 10.101/00, ANTIGA MP Nº 794/94


Procurando não interferir nas relações entre a empresa e seus empregados e atento ao disposto no art. 11 e no § 4º do art. 218 da CF e, sobretudo, procurando respeitar o verdadeiro conteúdo do inciso XI do art. 7º da Carta Política, de sorte a não extrapolar os limites da constitucionalidade, o legislador ordinário, no art. 2º da Lei nº 10.101, de 19 de dezembro de 2000, fruto da conversão da Medida Provisória nº 1.982/77, de 23 de novembro de 2000, por sua vez, mera reedição da Medida Provisória nº 794/94, limitou-se a indicar duas alternativas para a participação nos lucros ou resultados:


‘Art. 2º A participação nos lucros ou resultados será objeto de negociação entre a empresa e seus empregados, mediante um dos procedimentos a seguir descritos, escolhidos pelas partes de comum acordo:


I – comissão escolhida pelas partes, integrada, também, por um representante indicado pelo sindicato da respectiva categoria;


II – convenção ou acordo coletivo.


§1º Dos instrumentos decorrentes da negociação deverão constar regras claras e objetivas quanto à fixação dos direitos substantivos da participação e das regras adjetivas, inclusive mecanismos de aferição das informações pertinentes ao cumprimento do acordado, periodicidade da distribuição, período de vigência e prazos para revisão do acordo, podendo ser considerados, entre outros, os seguintes critérios e condições:


I – índices de produtividade, qualidade ou lucratividade da empresa;


II – Programas de metas, resultados e prazos, pactuados previamente.


§ 2º O instrumento de acordo celebrado será arquivado na entidade sindical dos trabalhadores.’


O caput facultou às partes a escolha de um dos procedimentos. No caso da consulente, foi escolhida a Comissão de Empregados com a interveniência do sindicato da classe. O seu § 1º, por sua vez, facultou a inclusão nos instrumentos de acordo, dos critérios indicados nos incisos I e II a título meramente exemplificativo. A redação do referido dispositivo não deixa dúvidas de que os critérios elencados, exemplificativamente, nos incisos I e II, não são obrigatórios, ao utilizar a expressão ‘podendo ser considerados, entre outros’.


Nesse sentido é a lição do ilustre Professor Manoel Gonçalves Ferreira Filho:


‘A exigência da participação direta, desde a Constituição anterior, desapareceu. Existe, por isso, toda a flexibilidade, hoje, para o encontro da fórmula adequada para a participação do trabalhador nos lucros da empresa. Essa participação, ressalte-se, não deve visar ao aumento da remuneração do trabalhador, mas sim contribuir para a sua integração á empresa.’


Cumpre observar, ainda, que o § 3º, do art. 3º, da Lei nº 10.101/2000 dispõe:


§ 3º Todos os pagamentos efetuados em decorrência de planos de participação nos lucros ou resultados, mantidos espontaneamente pela empresa, poderão ser compensados com as obrigações decorrentes de acordos ou convenções coletivas de trabalho atinentes à participação nos lucros ou resultados.’


Esse parágrafo, na verdade, parte do princípio da auto-aplicabilidade da primeira parte do inciso XI do art. 7º da CF/88 ao permitir a compensação dos pagamentos espontaneamente feitos pela empresa, a título de participação nos lucros e resultados, com as obrigações decorrentes de acordos ou convenções coletivas de trabalho atinentes ao mesmo tipo de participação.


Ora, se a lei está permitindo a compensação de valores pagos espontaneamente, desde que não tenham natureza salarial, com aqueles referentes ao cumprimento da obrigação resultante de acordos e convenções retro referidos, é porque aqueles valores têm a mesma natureza jurídica desses últimos.


Sintetizando, podemos afirmar que a Lei nº 10.101/2000, que tem origem na MP 794/94, explicitou a aplicabililidade plena do preceito constitucional em questão, na parte que desvincula a participação nos lucros ou resultados da remuneração do trabalhador.


DA NATUREZA JURÍDICA DOS INSTRUMENTOS DE ACORDO SOBRE PARTICIPAÇÃO NOS RESULTADOS FIRMADOS PELA EMPRESA E COMISSÃO DE EMPREGADOS


O exame dos instrumentos de ‘acordo sobre participação nos resultados’ firmados pela Empresa e a Comissão de Empregados desde 1995 até 2004, revelam que se trata de exteriorização das importâncias a serem pagas aos empregados a título de PLR, apurada de conformidade com o ‘Programa de Gestão e Desempenho por Competências e Resultados’, e do demonstrativo de resultados dos períodos respectivos.


Assim, esses instrumentos não representam a fixação dos direitos substantivos da participação, mas meras regras adjetivas dessa participação. A quantificação da PLR de cada empregado resulta da análise dos Demonstrativos de Resultados e do ‘Programa de Gestão e Desempenho por Competências e Resultados’ já referidos, que embora não mencionados formalmente nos diversos instrumentos de acordo, deles fazem parte integrante. É o que resulta da interpretação lógica e sistemática do conjunto de documentos apresentados pela consulente.


Os instrumentos de acordo não podem ser interpretados isoladamente, mas em confronto com os demais dados que conduziram à apuração do quantum da PLR de cada empregado. Daí porque, irrelevante o fato de o instrumento ter sido firmado em determinada data, e o pagamento ter-se efetivado poucos dias após, pois, repita-se, os instrumentos de acordo representam mera materialização do montante do resultado a ser partilhado entre os empregados a título de PLR, apurado de conformidade com critérios pré-estabelecidos.


Por oportuno, convém explicitar o sentido exato da cláusula sexta, contida nesses instrumentos de acordo sobre a PLR. Ela prescreve, invariavelmente, em todos os instrumentos que até o mês de novembro vindouro a EMPRESA apresentará uma proposta estabelecendo o programa de metas para o exercício financeiro seguinte, ao qual ficará subordinado o pagamento de quaisquer valores a título de participação nos resultados. A sua leitura ocular dá a entender que a PLR que está sendo paga, na forma referida em cada instrumento de acordo, não foi precedida de prévia apuração, de conformidade com o ‘Programa de Metas’ do exercício a que se refere a distribuição da PLR.


Evidente que, por um descuido, houve a reprodução literal do disposto na cláusula sexta do primeiro instrumento de acordo, firmado em 16 de novembro de 1995, o qual realmente não levou em conta o ‘Programa de Metas’ previamente estabelecido, pela simples razão de que a Medida Provisória nº 794, que regulamentou a norma constitucional em questão, é datada de 29 de dezembro de 1994.


Outrossim, quanto à existência do ‘Programa de Metas’ para os exercícios de 1996 em diante, o próprio fisco a constatou, mediante conversão do julgamento em diligência, conforme consta do item 17.1 da Decisão-Notificação nº 21.004/0563/2005, onde está afirmado que:


‘Verificou-se que a empresa possui um programa gerencial anual (introduzido em 1996) onde se estabelece previamente objetivos a serem alcançados, com posterior acompanhamento (através das Fichas de Gestão de Desempenho por Competência e Resultados), para os níveis Gerências/Chefias (Gestores), chamado de Sistema de Gestão de Desempenho…’


OS PAGAMENTOS REALIZADOS A TÍTULO DE PLR, NO PERÍODO AUTUADO, PREENCHEM OS REQUISITOS DA LEI ESPECÍFICA


Conforme visto anteriormente, a Constituição imunizou a PLR determinando, por preceito constitucional indiscutivelmente auto-aplicável neste particular, a sua exclusão do conceito de remuneração decorrente do vínculo empregatício. De se lembrar, também, que a Corte Suprema proclamou definitivamente que, a partir do advento da MP 794/94, deu-se a implementação do preceito constitucional que desvincula a participação nos lucros da remuneração devida ao empregado.


O importante é constatar que os pagamentos feitos a esse título decorreram de lucros/resultados apresentados pela empresa. Comprovam esse fato os balanços fiscais referentes ao período de 1996 a 2003, bem como os demonstrativos de resultados pertinentes ao mesmo período, juntados aos autos do processo administrativo NFLD nº 35.132.833-5. Por isso, no relatório do sr. Auditor do INSS ficou consignado: ‘Esta fiscalização na análise dos documentos que originaram esta Notificação, não encontrou indícios de intenção dos responsáveis pela Empresa de sonegar a contribuição ora apurada’ (item 13).


Forçoso é concluir que o fisco só promoveu o lançamento da contribuição no equivocado entendimento de que a PLR deve ser paga com observância dos requisitos previstos na lei específica para fazer jus à não-incidência da contribuição previdenciária. Em nenhum momento desconsiderou a natureza jurídica dos pagamentos feitos. O fisco apenas questionou a forma de distribuição dos lucros ou resultados, no seu entender, sem estabelecer previamente ‘critérios de apuração e avaliação individual com o desempenho de seus funcionários’ como que fazendo as vezes de um agente fiscal do trabalho.


Ora, uma vez constatado que o montante pago representa rateio do lucro ou resultado, portanto, imune à tributação, não há mais interesse jurídico do INSS em questionar o critério livremente convencionado entre a Comissão de Empregados e a Empresa, com interveniência do respectivo sindicato, imiscuindo-se em seara alheia.


Contudo, não se furta a demonstrar o cumprimento dos requisitos da lei específica.


Todos os pagamentos a título de PLR, abrangidos pela autuação, preenchem os requisitos estabelecidos pela Lei nº 10.101/00, não bastasse a imunidade tributária antes examinada.


De fato, a empresa apurou os valores a serem pagos a cada empregado mediante análise dos demonstrativos de resultado de cada período, bem como do exame das Fichas de Gestão de Desempenho por Competência e Resultado, constatadas pelo fisco. O ‘Programa de Gestão de Desempenho por Competência e Resultados’ contém três partes. Na Parte I, denominada ‘Competências Gerenciais’, avaliam-se critérios de capacidade estratégica, de liderança, habilidade de integração, inovação e outros, com comentários do colaborador avaliado. Na Parte II, referente à avaliação de ‘Resultados’, são considerados critérios objetivos a serem atingidos pelo colaborador, levando em conta a estrutura de custos, a performance industrial, e a ‘competitive manufactoring management’, onde consta, também, a manifestação do superior hierárquico do colaborador avaliado, bem como a análise final dos resultados apurados nas Tabelas I e II, estabelecendo pontuação com base na Tabela III, para efeito de posterior fixação do percentual a ser recebido a título de PLR. E finalmente a Parte III, referente às Necessidades de Treinamento e Ações de Desenvolvimento, consiste numa espécie de feedback dado pelos superiores diretos do colaborador como meio de planejar ações de desenvolvimento profissional.


Apesar de constatada pelo fisco a existência desse ‘Programa de Gestão de Desempenho por Competências e Resultados’, ele não foi levado em conta, sob o singelo argumento de que tal programa não alcança ‘os colaboradores que se encontram nos níveis abaixo e que foram contemplados de forma individualizada na notificação.’


Ora, em uma empresa de porte como a consulente, com quinze mil empregados, não seria racional, razoável, nem exeqüível a avaliação individual de cada empregado. Não existe, nem pode existir participação sobre metas individuais, a não ser sobre metas por equipes, como no caso da consulente, em que o programa de metas é dirigido a chefes de grupo de aplicações, a chefes de setores das fábricas, aos engenheiros e aos chefes da região leiteira. Se as chefias e os engenheiros atingiram as metas previstas no ‘Programa de Gestão de Desempenho por Competências e Resultados’, de forma satisfatória nas respectivas áreas de sua atuação, de conformidade com a avaliação feita pelos respectivos superiores hierárquicos, é porque eles atuaram de forma tal que os empregados sob sua subordinação emprestaram colaboração indispensável para o atingimento dessas metas.


Tanto os trabalhos de administração, como os de fábricas sempre deverão nortear-se pelo princípio da unidade e harmonia de atuação das equipes. O engenheiro, ou o chefe de agrupamento, por si sós, seriam incapazes de produzir uma única barrinha de chocolate. Não há dúvida, portanto, que o ‘Programa de Gestão de Desempenho’, mantido pela consulente e constatado pelo fisco, cumpre satisfatoriamente os requisitos da legislação específica que, repita-se, não impõe critérios inflexíveis para a avaliação do desempenho funcional dos empregados.


Outrossim, quanto à afirmativa do fisco, contida no item 2.3.4 da decisão monocrática, no sentido de que para os valores pagos em 11/95 não houve acordo sobre participação nos resultados, não é suficiente para descaracterizar a sua natureza jurídica, desvinculada da remuneração do empregado. A ausência de ‘Programa de Metas’ para pagamento da PLR de 1995 não poderia descaracterizar a natureza jurídica que lhe é própria, quer em função da imunidade tributária da participação nos lucros de que já falamos, quer em razão da vigência da MP nº 794, praticamente a partir de 1º de janeiro de 1995.


DA EXCLUSÃO DOS EXERCENTES DE CARGOS COM SALÁRIOS SUPERIORES A R$1.500,00 DA PLR NOS EXERCÍCIOS DE 1998 E 1999


O fato de os exercícios de 1998 e 1999 terem sido excluídos do pagamento da PLR aos empregados exercentes de cargos com salários superiores a R$ 1.500,00, não tem a menor relevância jurídica para o exame da matéria sob consulta, por duas razões.


Em primeiro lugar, porque os pagamentos das PLRs a que se refere o item 2.3.3.3 da decisão monocrática, não foram acordados entre a Empresa e a Comissão de Empregados, mas resultaram de ‘Convenção Coletiva entre o Sindicato e a Federação dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação do Estado de São Paulo’, como apontado naquela r. decisão. Assim, o critério de pagamento da PLR obedeceu àquele estabelecido na Convenção a que se refere o item II do art. 2º da Lei nº 10.101/00 e regulada no art. 611 da CLT. Não cabia à consulente interferir nos termos da convenção firmada entre os sindicatos patronal e dos empregados, que agiram em substituição às partes (art. 8º, III da CF).


Em segundo lugar, essa exclusão dos empregados com salário superior a R$ 1.500,00 não é questão pertinente ao lançamento tributário, que é um ato administrativo vinculado. Não cabe ao INSS promover a defesa dos excluídos.


DOS PRINCÍPIOS BÁSICOS QUE REGEM O PROCESSO ADMINISTRATIVO


Conforme se depreende do item 17 do Relatório que antecede a r. decisão recorrida, o fisco constatou, durante a diligência, que a Empresa ‘possui um programa gerencial anual (introduzido em 1996) onde se estabelece previamente objetivos a serem alcançados, com posterior acompanhamento (através das Fichas de Gestão de Desempenho por Competência e Resultados), para os níveis Gerenciais/Chefias (Gestores), chamado de Sistema de Gestão de Desempenho….’.


Mas esse programa foi totalmente desconsiderado porque não alcançou ‘os colaboradores que se encontram nos níveis abaixo e que foram contemplados de forma individualizada na notificação’ (sic, fls. 12).


Diante disso, pode-se afirmar que o fisco não agiu de acordo com os princípios constitucionais expressos no art. 37 e no art. 5º e inciso LV da CF/88 e nem observou as normas básicas sobre processo administrativo, previstas na Lei nº 9.784/99, como adiante se verá.


O art. 37 prescreve que a atuação da administração pública, onde se insere o órgão julgador de primeira instância administrativa, prolator da decisão recorrida, deverá obedecer aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.


O órgão administrativo julgador, seja ele monocrático ou colegiado, não deve submissão ao princípio da hierarquia funcional. O servidor público investido no cargo ou função de decidir deve posicionar-se de forma eqüidistante dos interesses em conflito entre a administração e o particular. Admitir submissão ao princípio da hierarquia funcional seria o mesmo que ignorar os princípios constitucionais concernentes à igualdade das partes, à proibição do juízo de exceção e os princípios do contraditório e da ampla defesa.


De fato, está proclamado no caput do art. 5º da Carta Política que todos são iguais perante a lei. Outrossim, a CF/88 estatuiu o princípio do juiz natural que vem expresso no art. 5º, incisos XXXVII e LIII nos seguintes termos:


‘XXXVII – não haverá juízo ou tribunal de exceção.’


‘LIII – ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente.’


Muitos autores somente vislumbram o princípio sob comento no inciso LIII retro transcrito. Entretanto, claro é que a proibição de criar tribunais de exceção representa um complemento ao princípio do juiz natural.


Conforme muito bem assevera o ilustre autor Nelson Nery Jr., o princípio do juiz natural, é tridimensional, consagrando três garantias: a) não haverá juízo ou tribunal ad hoc, isto é, tribunal de exceção; 2) todos têm direito de submeter-se a julgamento (civil ou penal) por juiz competente, pré-constituído na forma da lei; 3) o juiz competente tem de ser imparcial. </F

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