2 de setembro de 2015
Crise fiscal chega forte aos estados
O recuo na economia afetou fortemente as finanças dos estados brasileiros. A crise aguda no Rio Grande do Sul, estampada nas manchetes nos últimos dias, não é isolada. Levantamento feito com base nos relatórios de gestão fiscal dos governos estaduais mostra que as receitas despencaram 22,4% no primeiro quadrimestre de 2015 em relação aos últimos quatro meses de 2014. Ao mesmo tempo, os gastos com pessoal, principal dor de cabeça dos governadores, subiram 5,4% no mesmo período.
A análise mostrou ainda que, em abril (dado mais recente disponível), 22 unidades da Federação tinham ultrapassado algum limite da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Deste total, seis superaram os tetos fixados para gastos com pessoal ou dívida consolidada líquida (DCL). Os demais ficaram acima dos limites prudenciais. Pela lei, esse cenário já imporia punições. No entanto, a LRF prevê mecanismos de exceção para momentos como o atual, em que o Produto Interno Bruto (PIB) está em queda. Pelas regras, quando a economia cresce abaixo de 1%, dobram os prazos para reenquadramento.
Para especialistas e secretários de Fazenda, a crise nos estados é mais grave do que mostram os indicadores da LRF. Isso porque os índices ainda não captaram a dimensão do problema, que resulta da desaceleração da economia em 2015. A crise também decorre de anos de guerra fiscal e políticas de incentivo a gastos comandadas pelo governo federal.
"Os estados já sofriam perda de espaço histórica, inclusive por uma opção algo suicida de promoverem a guerra fiscal. Se somaram a isso os efeitos de um endividamento patrocinado pelo próprio Tesouro Nacional e uma recessão que afeta suas receitas mais do que a federal. É o pior cenário em termos estruturais e conjunturais", avalia o economista José Roberto Afonso, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) e professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP).
Para entender a crise fiscal atual por que passam estados e municípios, é preciso voltar no tempo. Até 1994, quando o Plano Real foi lançado e a estabilização da moeda alcançada, a inflação galopante mascarava os gastos públicos. Sem referência para balizar valores de obras ou despesas em geral, os orçamentos eram pouco questionados, dando margem para que os governos se endividassem além da conta. Como a economia andava de lado, a arrecadação com tributos e transferências não era suficiente para cobrir as despesas. Estados e municípios, então, seguiam contraindo empréstimos sem se preocupar com o dia de amanhã.
Com o fim da inflação, vieram à tona os desequilíbrios nos orçamentos. E os juros altos, um dos remédios para manter os preços sob controle, fizeram as dívidas explodirem. Para evitar um colapso sistêmico, em 1997, a União federalizou os débitos, ou seja, assumiu as dívidas. Estados e municípios passaram, então, a dever não mais a instituições financeiras com quem haviam contratado crédito, mas, sim, ao governo federal, com 30 anos para pagar. A contrapartida foi a exigência de aval ou garantia do Tesouro Nacional para que estados contraíssem novos empréstimos. Paralelamente, houve a aprovação, em 2000, da Lei de Responsabilidade Fiscal, que buscou dar transparência aos gastos públicos e criou indicadores para impor o controle desses gastos.
O limite do aceitável para o tamanho da dívida, por exemplo, passou a ser o dobro do tamanho da receita, no caso dos estados. Para os municípios, a dívida não pode ser 1,2 vez maior que sua receita. E os gastos com pessoal não podem exceder 60% da receita. O conceito de dívida aqui é o da chamada dívida consolidada líquida, ou tudo o que o estado ou município deve menos o que tem em caixa e recursos, como aplicações financeiras. No caso da receita, trata-se da receita corrente líquida. Isto é, a receita corrente com impostos e contribuições, por exemplo, menos as deduções previstas em lei, como transferências constitucionais.
Situação atual é considerada ‘tenebrosa’
O que se observa hoje nos estados é um quadro de penúria que afeta a vida da população. Há atrasos nos salários de servidores, greves e falta material para escolas e hospitais. O secretário da Fazenda do Rio Grande do Sul, Giovani Feltes, admite que a situação do Estado, a mais grave do País, é uma combinação entre o atual quadro econômico, que derrubou a arrecadação, e problemas estruturais que foram se agravando ao longo de décadas. Segundo ele, em 37 dos últimos 44 anos, os gastos superaram a arredação, quadro que foi mascarado por empréstimos que quitaram despesas correntes e pelo uso de depósitos judiciais.
A dívida do Estado chega a R$ 85 bilhões, sendo R$ 50 bilhões com a União. Há passivos com precatórios (R$ 8,3 bilhões), pagamento de juros de depósitos judiciais não tributários (R$ 1,1 bilhão) e pelo não pagamento do piso do magistério (R$ 10 bilhões). Feltes destaca a adoção de medidas para corrigir o quadro, como renegociação de contratos de serviços e redução de horas extras e diárias. Agora, tenta negociar com a União o pagamento de indenizações pela manutenção de rodovias federais feita pelo Estado. Mas, mesmo assim, atrasou o pagamento da parcela da dívida com a União em julho e teve os repasses do Fundo de Participação dos Estados (FPE) retidos.
Os programas de ajuste fiscal, com cortes de gastos e aumentos de impostos, se espalham pelo País. Sergipe atrasou em 10 dias o pagamento da parcela da dívida com a União e, segundo o secretário de Fazenda, Jeferson Passos, pode voltar a postergar. O funcionalismo também teve os salários parcelados. O ajuste fiscal do Paraná começou em dezembro de 2014, com elevação de alíquotas do ICMS e da contribuição previdenciária dos inativos e pensionistas. Mesmo assim, está acima do limite da LRF para gastos com pessoal em relação à receita corrente líquida (RCL): 53,65%. O máximo permitido é 49%. No Mato Grosso do Sul, o secretário Márcio Campos Monteiro prevê que o agronegócio, base da economia local, não conseguirá segurar a receita, que tem caído mês a mês. Tanto que o estado atrasou a parcela da dívida com a União em julho.
A despesa com pessoal no Distrito Federal saltou 25,23% entre janeiro e julho, em razão de reajustes que o governo anterior concedeu, sem garantia de receitas. A conta dos reajustes chegará a R$ 1 bilhão no ano. Enquanto isso, a receita tributária caiu 2,7% em termos reais no primeiro trimestre, aponta o secretário Leonardo Colombini. Já em Alagoas, o secretário George Santoro promove um ajuste na Previdência e um aperto da fiscalização tributária. Mas as receitas ainda caem, e o governo está impedido de tomar empréstimo para investimentos.
No Tocantins, além de uma revisão geral das despesas e uma auditoria na folha, haverá aumento de impostos. Os gastos com pessoal ultrapassam o limite máximo permitido pela LRF e chegaram a 49,96% da receita. "Já estamos pagando salários no dia 12 e corremos o risco de atrasar. Com essa estrutura de gastos, não dá para sobreviver por muito tempo", adianta o secretário Paulo Afonso Teixeira.
A secretária da Fazenda de Goiás, Ana Carla Abrão, afirmou que os estados têm feito esforços para reequilibrar suas finanças, inclusive propondo leis de responsabilidade fiscal estaduais, mas precisam de recursos para investir, e o governo federal vem fechando os canais.
FONTE: JCRS/UOL / STOCKVAULT/DIVULGAÇÃO
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