4 de dezembro de 2017
Grandes empresas estimam em R$ 549 bilhões as perdas possíveis em litígios tributários
RIO – A estrutura tributária brasileira fomenta o litígio. Há inúmeras normas, que muitas vezes divergem entre estados e esferas de governo. Estudo exclusivo do professor do Ibmec-RJ Paulo Henrique Pêgas revela que, no ano passado, as 35 maiores empresas de capital aberto do país informaram, em seus balanços contábeis, que têm risco de perder até R$ 549 bilhões em processos, administrativos e judiciais, referentes ao recolhimento de tributos.
— Esse valor corresponde a 42% do patrimônio líquido dessas empresas. Mesmo que parte desses processos seja classificada de perda remota, o valor é tão grande que, se uma empresa perder um terço das causas, pode quebrar. O problema não é o tamanho da carga tributária, é não saber se está certa a forma como o imposto está sendo recolhido — diz Pêgas.
O levantamento mostra que, quando se exclui os bancos, as disputas fiscais das empresas não financeiras ocupam um espaço ainda maior do patrimônio líquido: 55%, com dívida total de R$ 454 bilhões. O maior patamar é observado no setor de telecomunicações. Os processos correspondem a 77%, em média, do patrimônio líquido.
— Em empresas multinacionais, é impressionante como os balanços mostram os processos concentrados no Brasil. Lá fora, não há esse contencioso tão grande — observa Pêgas.
O risco trabalhista, sempre citado como uma dos maiores preocupações das empresas, é bem inferior, de acordo com as informações contidas nos balanços e formulários de referência enviados à Comissão de Valores Mobiliários (CVM, o órgão regulador do mercado de capitais). O risco tributário nessas empresas é 6,4 vezes maior que o contencioso trabalhista, que chegou a R$ 86 bilhões, o equivalente a 7% do patrimônio líquido.
Para dar conta da gestão tributária, o grupo Chinezinho, que tem três fábricas no Estado do Rio, mantém nove contadores exclusivamente dedicados à missão, mais dois escritórios de advogados tributários prestando assistência. Segundo Fabrício Ferreira, diretor administrativo e financeiro do grupo, que comercializa 350 itens diferentes, cada produto tem uma particularidade tributária, dependendo da matéria-prima que é usada:
— O regime tributário muda dependendo do estado do qual compramos o insumo, se a empresa tem incentivos ou não, se é de um produtor rural.
EMPRESA TEM LAUDO PARA TODOS OS PRODUTOS
O tempo despendido para poder cumprir as exigências deixa o Brasil na lanterna de uma lista de quase 200 países, de acordo com estudo do Banco Mundial sobre ambiente de negócios. Pelo levantamento, referente a 2015, as empresas dedicam 1.958 horas por ano, em média, para preparar, pagar e acompanhar o recolhimento de tributos. O tempo corresponde a quase três meses de trabalho e é 5,7 vezes maior que a média da América Latina.
— O Brasil é um ponto fora da curva quando se trata de impostos sobre consumo. Pode-se arrecadar muito com uma legislação mais simples. Na maioria dos países, há um só imposto sobre comércio e serviços. No Brasil, são cinco: PIS/Cofins, ICMS, ISS e IPI — afirma Bernard Appy, ex-secretário executivo do Ministério da Fazenda e diretor do Centro de Cidadania Fiscal.
Appy critica ainda a autonomia dos estados para legislar sobre impostos. E os municípios também podem fixar regras. Mas o economista cita alguns avanços, quando se trata de Imposto de Renda:
— Para a pessoa física, pagar Imposto de Renda é mais fácil no Brasil. Nos Estados Unidos, boa parte dos contribuintes é obrigada a contratar um contador para fazer suas declarações.
A advogada tributarista Ana Teresa Lima Rosa Lopes, em sua dissertação de mestrado na FGV Direito SP, também analisou disputas tributárias nas 30 maiores empresas de capital aberto. Em 2014, os processos correspondiam a 32% do valor de mercado das companhias. Ela afirma que a legislação é ruim e considera o Supremo Tribunal Federal (STF) muito lento para analisar as questões.
— Às vezes, não julgar é também julgar. As questões deixam de existir, por mudança no produto ou na própria legislação, que foi alterada antes da decisão do Supremo. Outro problema é que as decisões, muitas vezes, só beneficiam quem entrou com a ação na Justiça. Isso aumenta a judicialização. Se há uma controvérsia, todo mundo entra com ação para se garantir — afirma Ana Teresa.
Appy diz que as disputas acabam nos tribunais administrativos e judiciais devido ao fato de o sistema de resolução de conflitos “ser muito ineficiente”:
— Quando há divergência de interpretação, o sistema de solução tem que operar desde o início, antes de virar contencioso. Os processos demoram dez, 15 anos.
O sistema tributário brasileiro cria situações inusitadas. Até mesmo uma gráfica, com 26 empregados, pode ter uma complexidade única. Sergei Lima, presidente do Conselho de Assuntos Tributários da Firjan, vive essa situação na sua empresa, a Gráfica Lima. Dependendo do cliente, ele tem de recolher IPI, ICMS ou ISS:
— Se eu produzir uma caixa de remédio, vou recolher IPI. Mas, se for um rótulo, ou uma etiqueta, devo pagar ICMS. Já quando imprimo um papel timbrado, é ISS. Mas não sei explicar a lógica do legislador para estabelecer essas diferenças.
Entre os principais motivos para contestações na Justiça e no Executivo está a identificação de insumos da produção para conseguir crédito tributário. Ana Teresa cita uma empresa onde todos os itens da produção são “laudados”. Até um simples parafuso tem um laudo técnico pronto para atestar que faz parte da produção. Como os impostos incidem sobre o valor adicionado ao produto, a empresa acumula um crédito tributário sobre o insumo que usou para abater do imposto devido. A discussão é: o produto é insumo ou não?
— Por exemplo, a lenha usada na caldeira para produzir pão é considerada insumo e gera crédito para ser abatido no pagamento de PIS/Cofins. Mas a lenha usada para manutenção da caldeira usada na produção, não — explica Pêgas.
O segundo motivo para os litígios, de acordo com Appy, é o nível de detalhamento dos impostos, já começando pela Constituição:
— Há mais de mil palavras na Constituição tratando de matérias tributárias. Em outros países, há muito menos.
QUANDO A DISTÂNCIA MAIOR COMPENSA MAIS
Há ainda a guerra fiscal entre os estados. Os benefícios tributários a que os governos estaduais recorrem para atrair empresas acabam gerando decisões administrativas pouco lógicas. Pêgas cita o exemplo de uma rede de drogarias que prefere fazer seus caminhões de entrega percorrerem 500 quilômetros e gastar seis horas de viagem para aproveitar os benefícios tributários dados por Minas Gerais. Como as filiais ficam mais perto da divisa com São Paulo, seria mais rápido mandar os medicamentos do centro de distribuição de Ribeirão Preto, percurso que seria de duas horas e 170 quilômetros. Mas, agindo assim, a empresa perderia o benefício fiscal dado por Minas.
Segundo Appy, grande parte da movimentação de cargas no Brasil é explicada pelos benefícios tributários que podem ser oferecidos pelos 26 estados e pelo Distrito Federal:
— Essa situação certamente diminui a produtividade e tira pontos do Produto Interno Bruto (PIB) potencial (a capacidade de o país crescer).
Fonte: O Globo
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