16 de dezembro de 2013
Livro eletrônico deve ter imunidade tributária
A Constituição da República trata, nos artigos 150 ao 152, dos limites do poder de tributar das pessoas políticas (União, Estados, Distrito Federal e Municípios). Dentre esses limites são estabelecidas algumas imunidades sobre impostos no inciso VI do artigo 150, ou seja, naquela passagem a Constituição veda a cobrança de quaisquer tipos de impostos (I) dos entes federativos entre si, (II) dos templos de qualquer culto, (III) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei, (IV) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão e, recentemente com a criação da emenda constitucional 75, (V) fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham.
Isso quer dizer que nas hipóteses supracitadas não se pode cobrar impostos sob pena de o agente ou o ente público cometer um ato inconstitucional (ilegal). Por mais que as imunidades, na prática, tenham efeitos idênticos às isenções, elas não se confundem. “Imunidade é o obstáculo criado por uma norma da Constituição que impede a incidência de lei ordinária de tributação sobre determinado fato, ou em detrimento de determinada pessoa, ou categoria de pessoas”[1], enquanto isenção decorre de lei infraconstitucional que desobriga o sujeito passivo ao pagamento do tributo mesmo que este pratique o fato gerador da obrigação tributária. Além disso, isenção é uma forma de exclusão do crédito tributário[2] e pode-se dizer que a imunidade é uma forma qualificada ou especial de não incidência[3].
A imunidade prevista no artigo 150, inciso VI, alínea “d”, da Constituição (sobre livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão) existe no Brasil desde a Constituição de 1946, entretanto ela abrangia apenas o papel destinado à impressão dos livros, jornais e periódicos. A partir da Constituição de 1967 a imunidade ultrapassou o papel e chegou aos próprios livros, jornais e periódicos, o que foi mantido nas Constituições posteriores.
Esta imunidade tributária foi criada pelo constituinte originário com a intenção de promover a cultura, educação, liberdade de expressão e comunicação, incentivar a leitura, entre outras no mesmo sentido. Ocorre que nem sempre é fácil estabelecer os limites da referida imunidade. Com relação aos livros, quais deles seriam alcançados por ela? Defende-se que quaisquer livros devem ser imunizados, independente do seu conteúdo, mas para isso eles devem conter algum conteúdo que transmita informações e/ou ideias. Dessa forma, os livros de ponto, livros fiscais, livro-razão, livro de atas, não estão protegidos pela aludida imunidade[4].
O Supremo Tribunal Federal parece concordar com essa tese, pois já decidiu no sentido de, inclusive, as listas telefônicas[5] e até mesmo álbum de figurinhas[6] estarem imunes ao pagamento de impostos, já que transmitem informações e/ou ideias.
Trata-se de imunidade, tipicamente, objetiva, pois ela recai sobre o livro, o jornal ou o periódico, ou seja, recai no objeto, não na pessoa que o produz. Para Hugo de Brito Machado[7], essa imunidade deve se estender à todos os materiais necessários à confecção do livro, jornal ou periódico. Segundo ele, “nenhum imposto pode incidir sobre qualquer insumo, ou mesmo sobre qualquer dos instrumentos ou equipamentos, que sejam destinados exclusivamente à produção desses objetos”[8], inclusive a venda ou distribuição não poderiam ser tributadas.
Entretanto, para o STF a imunidade analisada não possui tanta abrangência. Quanto aos insumos destinados à impressão dos referidos objetos, o Supremo entende que estão agasalhados pela imunidade, pois já proferiu decisão no sentido de que ela se estende “a materiais que se mostrem assimiláveis ao papel, abrangendo, em consequência, para esse efeito, os filmes e papéis fotográficos[9]”, inclusive na sua fase de comercialização[10]. Contudo, com relação à tinta destinada a sua impressão[11] e os serviços de distribuição[12], entende que estes devem ser tributados.
Outro ponto interessante sobre o tema é com relação a quais tributos os livros, jornais e periódicos estão imunes. Segundo a letra fria da Constituição Federal apenas os impostos não são devidos. Há, entretanto, quem entenda que também são vedadas as cobranças de taxas e contribuições de melhoria ou quaisquer outras espécies de tributos[13] (empréstimos compulsórios e contribuições sociais). Na visão da Suprema Corte somente os impostos estão abrigados pela imunidade. Em decisão a respeito do Finsocial (contribuição social) firmou opinião no sentido de restringir a imunidade do artigo 150, VI, “d”, apenas aos impostos[14].
Hodiernamente o Poder Judiciário tem assistido algumas batalhas entre contribuintes e fisco com relação ao livro eletrônico. A tendência seria aceitar sua imunidade, pois os mesmos são livros que transmitem ideias/informações, e como prevê a Constituição os livros estão imunes a impostos. Entretanto, há quem entenda que a Constituição ao tratar “do papel destinado à sua impressão” limitou a imunidade aos livros impressos. As decisões estão divididas no sentido de imunizar e não imunizar o livro eletrônico. O STF reconheceu a repercussão geral do tema[15], mas até o momento não proferiu acórdão, apenas decisões monocráticas que, lamentavelmente, afastaram a imunidade tributária dos livros eletrônicos[16].
Com relação aos e-books (livros eletrônicos) o operador do direito deve interpretar a norma da constituição de forma teleológica, ou seja, da forma que o fim para o qual a norma foi elaborada seja atingido, mesmo diante das transformações da sociedade. No referido caso é exatamente isso que deve ser feito. O Constituinte de 1988 não tinha como prever a criação dos livros eletrônicos, por isso não os mencionou na carta magna. Entretanto referiu-se aos livros, jornais e periódicos de forma genérica e por isso os livros eletrônicos devem ser abrigados pela imunidade mesmo que o constituinte faça menção ao papel destinado à sua impressão, já que os e-books não deixam de ser livros.
Há quem afirme, ainda, que pelo princípio da capacidade contributiva os livros eletrônicos não devem ser agasalhados pela imunidade de impostos. Segundo essa corrente, os contribuintes que têm acesso a esses livros possuem maior poder aquisitivo e por isso devem se submeter ao pagamento de impostos sobre os e-books. Data máxima vênia, essa corrente não pode prosperar. Os livros eletrônicos, em sua maioria, são mais baratos que os livros impressos e alguns deles podem ser adquiridos de forma gratuita. Além disso, afirmar ser a capacidade contributiva dos indivíduos que possuem acesso aos livros virtuais maior que a dos demais é extremamente duvidoso, é um critério obscuro que nem sempre condiz com a realidade. Ademais, o STF já entendeu que até os álbuns de figurinhas estão imunes a impostos e, como é de conhecimento popular, um indivíduo que adquire um álbum de figurinhas gastará muito mais do que aquele que comprou uma obra literária virtual, pois, o primeiro terá vários gastos com as “figurinhas” que deverá adquirir para completar o álbum. Assim, deve-se afastar esse argumento.
Vale mencionar que o livro eletrônico, via de regra, é um arquivo virtual. Para acessá-lo deve-se executá-lo em um aparelho eletrônico (um leitor). Por fruto da interpretação teleológica já há quem sustente que até mesmo os leitores que se destinem exclusivamente à execução desses arquivos estão abrigados pela imunidade do artigo 150, VI, “d”[17]. E essa interpretação já foi aceita pela Justiça Federal do Estado de São Paulo, em decisão que o magistrado deferiu o pedido de imunidade tributária ao contribuinte na aquisição de um leitor eletrônico que possui função exclusiva de reproduzir os arquivos dos livros eletrônicos, com fundamento no artigo 150, VI,”d” da Constituição[18].
A imunidade tributária analisada possui inúmeras dúvidas, discussões e questionamentos que talvez jamais desapareçam na vida dos juristas. Por força do artigo 5º, parágrafo 1º, da Constituição essas dúvidas não podem ser regulamentadas através de lei complementar ou ordinária, deve o intérprete analisar o caso concreto a aplicar a norma de acordo com a sua finalidade primordial. E para isso deve, preferencialmente, interpretá-la pelo método teleológico.
Fonte: Conjur
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