16 de junho de 2014

No jogo econômico, Brasil busca virar o placar na prorrogação

Enquanto os investimentos públicos e as estimativas para o incremento na arrecadação ainda empatam por 0 x 0 no tempo regulamentar, alguns segmentos específicos começam a colher os frutos do Mundial. De um lado, o governo federal ainda depende do desempenho das pequenas empresas e dos gastos com o turismo para comemorar um escore mais favorável. Do outro, grandes companhias e a entidade organizadora do evento ensaiam o grito de “olé” para selar uma goleada sustentada pelas projeções de crescimento no período.
A Copa chegou. Foram quase sete anos de espera desde o anúncio até o apito inicial. Com todo o tempo jogando à favor, a expectativa foi insuficiente para se converter em eficácia na  preparação. O Brasil não se transformou em um país poliglota para receber os 600 mil turistas estrangeiros que passarão por aqui em um mês de disputas. Mesmo assim, eles vieram. Desembarcam, aos lotes, em aeroportos com condições não muito distintas das existentes em 2007 e devem desembolsar R$ 2,49 bilhões em apenas 32 dias.  
No tempo regulamentar, o Mundial não resolveu gargalos logísticos que encarecem, ano após ano, os custos da produção nacional. O evento, tampouco, foi determinante para solucionar a mobilidade dos grandes centros urbanos. O atraso na maioria dos 303 projetos de infraestrutura inseridos, inicialmente, na Matriz de Responsabilidade das 12 cidades-sedes decompôs o aguardado “legado” em um canteiro de obras permanente.  Porto Alegre serve de exemplo. Das 14 melhorias, apenas duas foram entregues no prazo. 
Fora dos gramados, protestos evidenciam que hospitais e escolas ainda passam longe do famigerado “padrão Fifa”, exigido nos estádios que servem de palco para 64 jogos de 32 seleções. E quem disse que saúde e educação integravam o pacote de progressos? De fato, a realidade difere, e muito, do sonho vendido com a conquista do direito de sediar a competição. A injeção de R$ 142 bilhões na economia prevista entre 2010 e 2014 ficará concentrada em setores específicos e com poder de fogo-extra para sustentar taxas de crescimento mais sólidas.
Mas, como em qualquer confronto, nem tudo é gol contra. Os 450 minutos de bola rolando, em cinco jogos na capital gaúcha, viabilizaram investimentos de R$ 888 milhões. No Brasil, 96 horas de futebol, sem os acréscimos, geraram aportes de aproximadamente R$ 26 bilhões – R$ 18,5 bilhões do setor público e R$ 7,3 bilhões da iniciativa privada.
Com a bola rolando, a escalação postada em campo traz à tona os favoritos. A Fifa embolsará mais de US$ 4 bilhões, com US$ 2 bilhões investidos. Um placar clássico de 2×0, que ganha contornos de goleada quando comparado ao rendimento superior em US$ 800 milhões ao da edição sul-africana em 2010. Já o governo federal, na melhor das hipóteses, arrecadará R$ 18,13 bilhões em tributos. O resultado representa um empate amargo, em 0x0, se comparado aos R$ 18,5 bilhões destinados aos financiamentos públicos para a preparação do Mundial. 
Entre os protagonistas, no entanto, a construção civil crescerá de 7% a 10% apenas neste ano. Empresas como OAS e Andrade Gutierrez já consolidam, há pelo menos dois anos, as margens obtidas com a construção de arenas, segundo relatório da agência de rating Moody’s. Embora o impacto seja menor, a Ambev reforçou a equipe, criou uma área específica para planejar o evento e investiu R$ 10 bilhões em três anos para turbinar a operação nacional. Na avaliação do gerente corporativo para a Copa do Mundo da Ambev, Marcelo Tucci, trata-se de uma espécie de verão adicional no período de habitual retração das vendas.  
“Desde 2011, há uma área dentro da Ambev dedicada especialmente ao planejamento da Copa do Mundo, e a companhia inteira está muito entusiasmada com esse que tem tudo para ser um evento histórico. Estamos trabalhando para aproveitar todas as oportunidades de consumo. Nossos produtos são oficiais da Copa, e acreditamos que, com as inovações trazidas, nos farão conquistar destaque dentro dos pontos de venda”, comenta.
A vice-presidente e analista sênior da Moody’s, Barbara Mattos prevê aumentos de curta duração em vendas, mas considera improvável a ampliação generalizada nos lucros. Além disso, a paralisação de atividades durante os jogos trará efeito negativo à indústria, segunda ela. “Havia a expectativa de que a Copa ajudasse o Brasil a sair da desaceleração, mas o estímulo associado aos jogos é pequeno em face da economia do País, dos níveis normais de despesas com investimento e das receitas anuais de grande parte das empresas”, afirma. 
Mesmo assim, o placar adverso ainda pode ser revertido na prorrogação. Conforme a projeção da Moody’s, até 2019, o Mundial renderá 0,4% de incremento ao PIB nacional. A agência também considera que os aportes em infraestrutura são positivos, em longo prazo, para os fornecedores domésticos, mesmo que o montante responda por apenas 0,7% do investimento total planejado pelo País no período de 2010-2014.
Exposição de falhas na defesa ajuda a evitar goleadas futuras no turismo 
Os visitantes de Porto Alegre gastarão no País R$ 470,9 milhões. O valor, apurado pelo Ministério do Turismo, considera toda a estada e inclui as demais cidades visitadas. Na avaliação do professor de Economia e diretor da agência de gestão de empreendimentos da Pucrs, Leandro de Lemos, a grande oportunidade não está nas cifras projetadas, e sim no melhor entendimento da economia do turismo. 
“No pós-Copa a população vai enxergar e se arrepender de não ter feito melhor. Teremos a percepção clara do quanto perdemos. Deixamos de aproveitar oportunidades econômicas nestes anos de ineficiência e orçamentos inflados pela baixa capacidade de gestão em obras públicas”, comenta.
Em uma indústria como a do turismo, que movimenta US$ 4,4 trilhões anualmente – o dobro do PIB nacional, US$ 2,2 trilhões em 2013 –,
o Brasil ainda é considerado um player periférico, com apenas 0,5% do market share mundial. Nos países mais competitivos, já existe a compreensão de que a atividade envolve outros 74 setores paralelos. 
Por isso, conforme Lemos, para atrair visitantes, mais do que belezas naturais e paisagens, é preciso estruturar serviços que considerem o potencial de um negócio que gera 10% das vagas de emprego no planeta. “Somos pouco competitivos. A Copa vai expor ineficiências em infraestrutura específica para turistas internacionais. Um bom legado seria perceber falhas que nos levam a acumular sucessivas goleadas na balança comercial de serviços turísticos”, sintetiza. 
Na marca do pênalti, pequenas empresas negociam R$ 370 milhões 
As pequenas empresas se preparam para colher os frutos. Em quatro anos, R$ 370 milhões foram gerados em negócios associados ao Mundial, segundo levantamento do Sebrae Nacional. A cifra é fruto de uma série de ações preparatórias em rodadas de negócios nas quais as micro e pequenas empresas tiveram a oportunidade de se reunir com grandes companhias compradoras. 
No Rio Grande do Sul, as ações foram postas em prática por meio de cinco projetos setoriais, que englobaram segmentos como turismo e souvenir, gastronomia, agronegócio, comércio e serviço. Um total de 1,2 mil empresas foram atendidas pela iniciativa, que viabilizou ações de qualificação, aprimoramento, inovação, acesso a mercado e de certificação.
A jogada também trouxe chances no mercado de trabalho. Dados da consultoria internacional Catho indicam a criação de 148 mil vagas em alguns setores relacionadas à Copa (72% na área gastronômica). Além disso, há aumentos salariais em segmentos como hotelaria e turismo (28,2%), comercial (15,6%), educação e ensino de idiomas (12,5%) e engenharia (22,3%). 
Vitor augusto Koch, que reúne os cargos de presidente da FCDL-RS e do Sebrae-RS, estima uma média de 30 mil turistas em Porto Alegre, por dia, o equivalente a 480 mil estadias. A média de gastos diários no Rio Grande do Sul, segundo o dirigente, gira em torno de 
R$ 350,00 e concentra, em 16 dias, mais de R$ 159 milhões em consumo de alimentação, vestuário e acessórios. 
Para converter o pênalti, no entanto, é preciso contar com um conhecido craque brasileiro: a hospitalidade. “Trata-se de uma oportunidade de promover a excelência no atendimento. Para marcar o gol, temos que despertar o interesse em uma parcela desses visitantes de retornar à cidade em outras oportunidades”, afirma. 
Desequilíbrio no meio-campo dos gastos não potencializa retorno fiscal 
A explicação para a fraca atuação no tempo regulamentar também passa pelos estádios que demandaram cerca de R$ 8,5 bilhões – valor superior à soma das duas últimas Copas, em 2010, na África do Sul (R$ 3,2 bilhões), e 2006, na Alemanha (R$ 3,6 bilhões). Para estados e municípios, cálculos oficiais de gastos relacionados à Copa do Mundo indicam de 0,25% até 12,65% das receitas fiscais esperadas em 2014 atreladas ao Mundial. 
No Rio Grande do Sul, por exemplo, a Fundação de Economia e Estatística (FEE) projeta R$ 16,5 milhões em ICMS gerados a partir do evento e um acréscimo de R$ 228,3 milhões no PIB. O montante representa apenas 0,7% dos R$ 310,5 bilhões acumulados em 2013. 
Os gastos com projetos concentrados em esfera municipal, por outro lado, já estão incorporados nos programas de infraestrutura. Os orçamentos não comprometem a qualidade do crédito de longo prazo. Em Porto Alegre, os empenhos são inferiores a 5% do PIB da Capital, mesmo com a continuidade de 12 obras públicas, conforme relatório da Unicamp.
 
Fonte: Jornal do Comércio

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