7 de setembro de 2005

O direito de retirada no novo Código Civil

“Até a vigência da nova lei, o vínculo societário só se rompia com o trânsito em julgado da decisão final, o que costuma levar anos”


A disciplina legal das sociedades foi substancialmente modificada pelo novo Código Civil, que entrou em vigor no ano de 2002. O artigo 1.029 é um exemplo disso, porquanto introduz na legislação societária brasileira o direito de retirada imotivada do sócio. Tal dispositivo estabelece que o sócio que desejar se retirar de determinada sociedade com prazo indeterminado de duração deverá notificar os demais sócios, com antecedência mínima de 60 dias. 
 
A questão que se coloca é se tal notificação tem ou não a eficácia de, por si só, romper o vínculo societário. Em outras palavras, se é ou não necessária uma ação judicial ou uma alteração contratual para atingir-se tal objetivo.


Via de regra, os contratos por tempo indeterminado são passíveis de extinção mediante resilição unilateral. A resilição unilateral é levada a termo por declaração de vontade comumente designada por denúncia. No que diz respeito ao contrato de sociedade, o poder de resili-lo unilateralmente tem fundamento primário na Constituição Federal, cujo artigo 5º, inciso XX estatui: “Ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado”.


Todavia, antes da entrada em vigor do novo Código Civil em 2002, a denúncia não tinha como conseqüência a imediata ruptura do vínculo societário. Seu efeito era outro. É que vigia o disposto no artigo 1.399, inciso V do Código Civil de 1916 e no artigo 335, inciso V do Código Comercial, que estabeleciam, na hipótese de algum dos sócios desejar se retirar da sociedade, que esta deveria ser dissolvida. Ou seja, o efeito da denúncia não era a imediata quebra do liame contratual, mas o início do processo de extinção da sociedade.


A fim de amenizar o rigor desses dispositivos, de maneira a preservar, inclusive, os interesses que gravitam em torno das sociedades, a jurisprudência nacional consagrou a denominada dissolução parcial da sociedade. Por meio dessa medida judicial, a sociedade era preservada e também se atendia à vontade do sócio retirante. Todavia, o vínculo societário somente se rompia por ocasião do trânsito em julgado da decisão final, o que, como se sabe, costuma levar anos.


Atualmente, com a revogação dos aludidos dispositivos e a entrada em vigor do novo Código Civil, não existe mais a necessidade de ajuizamento de uma ação judicial para “dissolver parcialmente a sociedade”. À luz do artigo 1.029, para a ruptura do vínculo nos contratos de sociedade celebrados por prazo indeterminado, basta que o sócio retirante promova a denúncia. Depois de decorrido o prazo de pré-aviso, encerra-se, o vínculo contratual, deixando o denunciante, “ipso facto”, de ser sócio. Como se vê, também não é necessário o acordo de vontades, prescindindo-se, pois, de alteração contratual para que a denúncia produza seu efeito.


   À luz do artigo 1.029, para a ruptura do vínculo nos contratos de sociedade, basta que o sócio retirante promova a denúncia 

Isso não significa que o recebimento, por parte do sócio retirante, do valor da sua participação societária (os haveres) independerá de ação judicial. Caso não haja acordo neste aspecto, essa continua sendo a única alternativa. Ao menos não será necessário que o sócio retirante aguarde anos a fio para perder o “status socii”. Isso é um grande avanço, sobretudo pelo fato de que, uma vez rompido o vínculo contratual, o ex-sócio não mais correrá o risco de responder pelos atos praticados pelos sócios remanescentes da sociedade.


É importante mencionar ainda que o dispositivo em comentário encontra-se inserido no capítulo das sociedades simples. Então, surge nova questão: seria tal dispositivo (ou melhor, o conceito que encerra tal dispositivo) aplicável às sociedades limitadas, especialmente às sociedades empresárias limitadas, já que a grande maioria dos empreendimentos é desenvolvido por esse tipo de sociedade? Por uma séria de razões, a resposta é positiva.


Em primeiro lugar, é bastante plausível o argumento de que, com a simples revogação do artigo 1.399, inciso V do Código Civil de 1916 e do artigo 335, inciso V do Código Comercial, já seria possível a retirada mediante denúncia, por força da regra geral estabelecida pelo artigo 473 do novo Código Civil.


Por outro lado, o artigo 1.053 do novo Código Civil estabelece que as sociedades limitadas regem-se supletivamente pelas normas das sociedades simples. O problema surge quando escolhida a regência supletiva pelas normas das sociedades anônimas, pois há respeitáveis opiniões – das quais ousamos divergir – no sentido de que, nessa hipótese, não mais seriam aplicáveis as normas das sociedades simples.


Seja como for, ainda que prevaleça o entendimento de que o artigo 1.029 não se aplica às sociedades limitadas cuja regência supletiva, por opção dos sócios, é feita pelas normas das sociedades anônimas, o fato é que há sólidos argumentos para sustentar que a notificação prevista no referido dispositivo tem também a eficácia para extinguir o vínculo societário nas sociedades empresárias limitadas. Mas, a fim de evitar qualquer divergência interpretativa, aconselha-se, nestes casos, a incorporação dos pormenores do procedimento ao contrato social.
 


Por André Castello Branco Colotto, é advogado e sócio do escritório Castello Branco, Lobosco, Gama e Zambo Advogados
Fonte: Valor Econômico (02/09)

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