31 de julho de 2006
Refis III: herói ou vilão dos contribuintes?
Refis III: herói ou vilão dos contribuintes?
O governo federal editou, no fim do mês de junho, uma medida provisória prevendo mais um parcelamento em condições especiais para devedores de tributos perante a União e o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), chamado popularmente de Refis III. Tal ato vem recebendo duras críticas dos mais diversos setores da sociedade. Sustentam os opositores à medida que sua adoção prestigia a cultura da sonegação, em detrimento dos contribuintes que optam por quitar suas obrigações fiscais em dia. Mas será que a concessão de parcelamento é efetivamente tão nociva?
Geralmente, quando um contribuinte torna-se devedor de algum tributo federal, há a alternativa de parcelamento do débito em até 60 vezes. O montante parcelado inclui o valor principal, a multa e os juros. No Refis III, a exemplo de seus antecessores, foram concedidos benefícios especiais aos que nele ingressam, como a possibilidade de parcelamento que chega a até 130 parcelas, além de redução de 80% da multa devida, entre outros.
Em função dessas facilidades, sustenta-se que deixar de pagar tributos tornou-se um negócio rentável. Afinal, bastaria esperar a edição de um novo Refis para que o contribuinte pudesse quitar seus débitos em condições muito favoráveis, obtendo vantagens em relação ao seu concorrente que foi adimplente.
Por outro lado, mesmo os que criticam a existência dos parcelamentos excepcionais concordam que a carga tributária brasileira vem sendo continuamente majorada nos últimos anos, atingindo níveis praticamente insuportáveis, onerando, acentuadamente, a produção e consistindo em um óbice ao crescimento econômico.
Uma das formas mais elementares de se medir o impacto do ônus fiscal na economia de uma nação é a comparação dos números de sua arrecadação e o total de riquezas produzidas por ela no mesmo ano, também conhecido como PIB. No caso brasileiro, em 2005 o Estado ficava com quase 38% do que o país produzia – valor superior ao da Alemanha, país europeu conhecido pela voracidade do seu fisco, mas que presta serviços públicos de alta qualidade.
Com tamanha pressão sobre seus custos, alguns empresários se vêem obrigados a deixar de recolher tributos como forma de sobrevivência em sua atividade. Embora a conduta não deva ser estimulada, é um dado que deve ser levado em conta pelo legislador e por todos os responsáveis por nossa política fiscal. Não se deve esquecer, ainda, de outros princípios da Constituição Federal, como o que prestigia o acesso ao trabalho, à livre iniciativa, o fomento da economia, entre outros.
Mesmo os críticos ao parcelamento concordam que a carga tributária brasileira vem sendo continuamente majorada
Nesse contexto, pensamos que as normas sobre o Refis vêm sendo erroneamente interpretadas, quando entendidas como convite à sonegação. São, antes, um bote salva-vidas que cria condições aos empresários sérios que enfrentam dificuldades financeiras em face da elevada parcela de seu faturamento que fica com o fisco. É válido lembrar que, sem parcelamentos excepcionais, é bem provável que esses contribuintes venham a falir. Nessa hipótese, só restaria ao fisco habilitar seus créditos em processos falimentares em que a chance de satisfação dos mesmos é ainda mais remota.
Os financiamentos também estimulam a prática de uma postura mais responsável para o futuro – e a inadimplência implica a exclusão do programa. Além disso, nesses casos, facilitam sobremaneira a cobrança de tributos, que poderiam não ser de conhecimento do fisco, caso os sujeitos passivos não os incluíssem no programa.
Deve ser lembrado que todas as instituições financeiras se valem do método do parcelamento de dívidas para ver quitados débitos de clientes de solvabilidade duvidosa. E os bancos sequer têm o dever de se preocupar com a sobrevivência da empresa ou com a função social que esta realiza.
É claro que, em meio a tantas empresas, acaba-se eventualmente favorecendo o mau contribuinte, aquele que deixou de recolher tributos não por necessidade, mas por má-fé e falta de escrúpulos. Note-se, porém, que esses contribuintes, ao assim procederem, arriscaram-se – e muito. A criação de parcelamentos de tal cunho é incerta. As condições, também. Sem o parcelamento, as multas e juros cobrados sobre os débitos fazem a dívida tributária crescer em proporções alarmantes, afetando a saúde da empresa. Além disso, sem ele não se consegue certidão negativa de débito, tem-se inscrição em dívida ativa, nos órgãos de proteção ao crédito, possibilidade de cobrança no patrimônio pessoal dos sócios e administradores e outros inconvenientes. Portanto, o risco comprado pode não ser a atitude mais recomendável, sob o ponto de vista empresarial.
A verdade é que, desta vez, quem fez a aposta ganhou. Mas, sobre o ponto deixamos a seguinte questão: será que a regra geral é que todos os inadimplentes agem de má-fé? Uma pergunta que, em situação de tributação normal, seria facilmente respondida. Só gera dúvida em casos como o nosso, em que o Estado percebe quase metade do que produzimos.
A persistir a situação de excepcionalidade de nossa carga fiscal, é natural que parcelamentos igualmente extraordinários surjam com certa freqüência, como forma de equilibrar o sistema. O que não podemos aceitar é que tais benefícios sejam extintos em um país onde conseguir pagar todos os impostos em dia virou mérito e não rotina.
Charles William McNaughton e Napoleão Casado Filho são advogados do escritório Trevisioli Advogados Associados
Fonte: Valor OnLine (31/07)
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