18 de outubro de 2005

TCU investiga ação suspeita de grandes fundos de estatais

O Ministério Público Federal suspeita que grandes fundos de pensão patrocinados por estatais fecharam operações lesivas às suas patrocinadoras entre 1997 e 2004, inclusive a compra excessiva de ações da Coteminas, empresa têxtil pertencente à família do vice-presidente, José Alencar.
Por conta da desconfiança, o TCU (Tribunal de Contas da União) aprovou a tomada de informações, em forma de diligências, junto à CVM (Comissão de Valores Mobiliários), à SPC (Secretaria de Previdência Complementar) e ao BC (Banco Central).


O TCU é o órgão que audita as contas do governo federal. A Folha apurou que o pedido de diligências foi apresentado pelo procurador-geral do Ministério Público junto ao TCU, Lucas Furtado. A relatoria do processo, que corre em sigilo, coube ao ministro Lincoln Magalhães da Rocha.


O objetivo de Furtado era saber se houve leniência do governo na fiscalização dos grandes fundos de pensão ligados a empresas que têm o Tesouro Nacional como sócio. Na lista estão as três maiores entidades de previdência complementar do país: Previ (Banco do Brasil), Petros (Petrobras) e Funcef (Caixa Econômica Federal). O quarto e último fundo de pensão citado por Furtado é o Centrus, dos funcionários do BC.


Além de propor as diligências ao TCU, o procurador recomendou que o Ministério Público Federal investigue diretamente “possíveis crimes financeiros por parte de administradores da Previ, decorrentes de financiamento de campanhas eleitorais por meio de aporte de recursos por parte do fundo de pensão”.


Gigantes


Os fundos de pensão, são, hoje, os maiores investidores institucionais brasileiros. Têm participação nas grandes companhias privadas, em todos os setores, e participam ativamente dos mercados imobiliário e financeiro.


No caso dos fundos bancados por empresas governamentais, a disputa política é parte do jogo. Os dirigentes dividem-se entre eleitos pelos funcionários e indicados pela patrocinadora. Isso cria um jogo interno de poder e dá origem a uma série de críticas. Tanto no governo FHC quanto no atual, as indicações políticas prevalecem sobre as técnicas e criam “agendas ocultas” entre os administradores e o governo federal.


Segundo números da Abrapp (Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Privada), até abril os investimentos dos fundos chegava a R$ 259,2 bilhões. Os ativos somavam R$ 284,6 bilhões.


Os investimentos totais da Previ, em abril, correspondiam a R$ 70 bilhões. O fundo é seguido pela Petros (R$ 26 bilhões) e pela Funcef (R$ 19 bilhões). O Centrus aparece em oitavo lugar na escala da Abrapp, com R$ 6 bilhões.


Pela legislação atual, os fundos de pensão de estatais são pessoas jurídicas de direito privado e não estão submetidos ao TCU. As patrocinadoras, quando empresas públicas, e os órgãos fiscalizadores das entidades de previdência respondem porém ao tribunal.


O principal objetivo da diligência do TCU junto à CVM é descobrir se a autarquia fiscalizou supostas manipulação de ações por parte das corretoras que movimentaram os investimentos dos fundos de pensão no mercado de ações. O assunto também tem sido objeto de escrutínio pelas CPIs dos Correios e do Mensalão.


Outra possibilidade que preocupa o TCU é que os quatro fundos de pensão tenham aplicado mais do que o permitido em ações e debêntures de companhias listadas em Bolsas de Valores. O temor é a hipótese de operações casadas e triangulares, que permitiriam a criação de caixa dois. A SPC, braço do Ministério da Previdência que fiscaliza os fundos de pensão, foi o alvo do maior número de pedidos de esclarecimentos do TCU.


O tribunal quer saber se a Previ –maior fundo de pensão da América Latina– informou devidamente ao governo decisões estratégicas como a reavaliação de seus investimentos na Companhia Vale do Rio Doce e a aplicação de recursos nas empresas Neoenergia e Paranapanema.


O TCU pediu ainda à SPC dados sobre prejuízos que a Previ teve em complexos imobiliários. Quanto à Petros, o TCU solicitou esclarecimentos sobre possíveis irregularidades na venda de imóveis. No caso da Funcef, terceiro do ranking nacional, o tribunal quer saber se a SPC colocou a lupa sobre supostas irregularidades na compra de ações da Companhia Siderúrgica de Tubarão, da Ferropasa (Ferronorte e Novoeste), do Mappin e da Mesbla, do Crefisul e do Blue Tree, além de supostos investimentos irregulares no Hotel Reinassance, em São Paulo. Por fim, em relação ao Centrus o TCU quer a certeza de que a SPC fiscalizou supostas irregularidades na compra a Comgás, da Escelsa e da Iven.


A representação de Furtado faz menção ainda a uma notícia-crime apresentada por um funcionário público, Magno Mello, à 10ª Delegacia de Polícia Civil do Rio de Janeiro. Mello, que é assessor legislativo em Brasília, pediu aos policiais que investiguem se a Previ distribuiu recursos para candidatos e comitês eleitorais.


Coteminas contesta ação lesiva


A Coteminas enviou à reportagem esclarecimentos prestados ao Ministério Público Federal em 2000 sobre a oferta pública de ações da empresa. A empresa afirmou à Folha que foram enviadas aos procuradores mais de mil páginas de documentos com explicações que foram consideradas pertinentes e satisfatórias. E desde então, segundo a Coteminas, não houve mais questionamentos.


Segundo o documento da empresa recebido pela Folha, as ações foram lançadas em 1997 e serviram para a expansão das atividades industriais e comerciais da companhia. Grandes bancos, escritórios de advocacia e empresas de consultoria estiveram envolvidos na emissão. “A Coteminas e seus controladores não atuam no mercado de ações como especuladores, comprando e vendendo suas ações, para auferir lucro. A única influência que exercem sobre o preço da ação negociada em Bolsa de Valores é o trabalho diuturno na obtenção de lucros para a companhia e, conseqüentemente, para todos os seus acionistas”, diz o texto da companhia têxtil.


“Não se pode falar que os fundos de pensão (Previ, Petros e Funcef) tomaram prejuízo com a subscrição de ações da Coteminas. Primeiro, ao que sabemos, nenhum fundo vendeu as ações que subscreveu, para que se realizasse prejuízo, e depois porque normalmente os fundos de pensão não compram ações com objetivo de especular com elas no curto e médio prazo”, completou a Coteminas.


A CVM (Comissão de Valores Mobiliários) informou à Folha, por meio de sua assessoria, que o órgão já atendeu a requisição do próprio TCU (Tribunal de Contas da União). Disse ainda que “em sendo requisitadas novas informações, esta Comissão estará pronta para, respeitados os limites da sua competência legal em relação ao assunto, prestar todas as informações adicionais que se mostrem necessárias”.


A SPC (Secretaria de Previdência Complementar) e o Banco Central não se manifestaram. A Folha procurou os fundos de pensão citados pelo processo do TCU na sexta-feira. Previ (do Banco do Brasil), Petros (da Petrobras) e Funcef (Da Caixa Econômica Federal) informaram que também não iriam se manifestar sobre o assunto. Alegaram que não haveria tempo hábil para levantar as informações.


Petros e Funcef informaram que pretendem atender a demanda “dentro de um prazo justo”. Por meio de sua assessoria, explicaram que, por conta do Dia do Previdenciário, grande parte dos fundos de pensão não teve expediente na sexta-feira, o que dificultava o acesso às informações. A Folha não conseguiu entrar em contato com o Centrus (do BC), tendo enviado a solicitação de entrevista por email. (JANAÍNA LEITE – Folha de S.Paulo)
 

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